terça-feira, 24 de agosto de 2010

Cooperação Brasil-Argentina

Brasil reforça cooperação nuclear com Argentina

Diplomacia busca posições conjuntas em fóruns sobre não proliferação


Itamaraty considera ter superado desconfianças de Buenos Aires face à aproximação brasileira em relação ao Irã


CLAUDIA ANTUNES

DO RIO

O governo brasileiro busca implementar novos projetos de cooperação tecnológica e industrial com a Argentina na área nuclear, a fim de superar desconfianças recentes e fortalecer a coordenação bilateral nos fóruns internacionais sobre não proliferação e desarme.

Para o Brasil, os acordos são vistos como garantia de transparência do seu programa atômico. Além disso, os dois países veem chances de negócios num possível boom da energia nuclear, com a queda do uso de combustíveis fósseis devido ao aquecimento global.

A colaboração foi tratada pelos presidentes Lula e Cristina Kirchner, no início do mês, e prevê, em médio e longo prazo, uma empresa binacional e o projeto de reatores multipropósito, para a produção de isótopos médicos e pesquisa científica.

Ela será avaliada entre amanhã e sexta, em Buenos Aires, em reuniões de três instâncias -a Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle), que realiza inspeções mútuas, a Coben (Comissão Binacional de Energia Nuclear), órgão técnico, e o CPPN (Comitê Permanente de Política Nuclear), de coordenação diplomática.

O encontro do CPPN será o primeiro desde 2005, embora os dois países tenham atuado juntos na recente revisão do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear).

Para sair do papel, o reator multipropósito e a empresa binacional, anunciada originalmente em 2008, enfrentarão obstáculos orçamentários, técnicos e políticos -o Brasil não pretende compartilhar tecnologia de enriquecimento de urânio.

Mas Vera Machado, subsecretária-geral do Itamaraty, e Odair Gonçalves, presidente da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), veem a perspectiva de aumentar em curto prazo o intercâmbio de técnicos e pesquisadores, entre outras medidas. Ambos estarão nas reuniões.

Na diplomacia, o Brasil busca manter posição afinada sobre o Protocolo Adicional do TNP -os dois países não aderiram ao instrumento. O argumento brasileiro é o de que a Abacc já representa garantias extras. Mas a não adesão não tem apoio unânime na Argentina.

"Não há chance de mudança de posição. Ficou claro que existe a Abacc, mecanismo único que precisa ser preservado, reforçado e mais conhecido. Esse é um ponto importante da agenda", disse Machado.

Outra questão foi a aproximação Brasil-Irã, que causou desconfiança na Argentina, onde iranianos são acusados do atentado contra uma associação judaica, em 1994. Ao "Clarín" o chanceler Celso Amorim disse que "não há nem foi proposta" colaboração nuclear com o país persa. "Eles estão convencidos", afirmou Machado.


Reunião é chance para países injetarem criatividade no TNP

MARCOS AZAMBUJA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Avançar o entendimento com nosso principal vizinho, no qual surgiu a Abacc, é elemento-chave no sistema que construímos bilateralmente e que se estendeu à AIEA. Foi isso que, finalmente, nos permitiu aderir ao TNP.
O sistema de contabilidade e controle que soubemos construir tem sido satisfatório não só para os dois sócios como tem criado confiança nas nossas relações com demais países como um todo. A Abacc tem sido vista como exemplar e como um possível modelo a ser aplicado a outras regiões do mundo onde uma rivalidade seja obstáculo a condições que permitam prosseguir e consolidar a interdição de aquisição e emprego de armas nucleares.
Brasil e Argentina devem enfrentar, agora, novo desafio: o de como se posicionar frente à demanda para que assinemos o Protocolo Adicional. A pressão é considerável: os países são os únicos membros do Grupo de Fornecedores Nucleares que ainda não o subscreveram.
A próxima reunião, em Buenos Aires, dará a chance para que os sócios vejam se é possível exercitar a diplomacia criativa que lhes permita dar à comunidade internacional garantias suplementares sem que isso se faça só pela adesão do Protocolo Adicional, modelo que carrega constrangimentos e a necessidade de aceitar controles ainda mais invasivos de atividades que se quer proteger.
O Brasil é sócio pleno e de boa fé do sistema de não proliferação e é também um dos poucos países engajados em um projeto, já muito avançado, de domínio do ciclo total do combustível nuclear.
O Brasil não perde de vista que o TNP é um conjunto de obrigações que vai além da não proliferação. É também um instrumento que consagra o direito ao desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos enquanto faz potências armadas avançarem para o desarmamento. O TNP está construído sobre esses três pilares, e a posição brasileira é que a preocupação com a proliferação não leve ao abandono dos dois outros objetivos.

O diplomata MARCOS AZAMBUJA foi embaixador em Paris e em Buenos Aires

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Textos publicados no jornal Folha de S. Paulo em 24 de agosto de 2010.

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