segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mercosul - União Europeia

Entrevista

“É preciso ter uma visão mais estratégica e de longo prazo”

Ricardo Galuppo (rgaluppo@brasileconomico.com.br)

10/05/10 11:03


“É preciso ter uma visão mais estratégica e de longo prazo”

Na opinião de Ricardo Espírito Santo Salgado, as questões pontuais que emperram o acordo entre UE e Mercosul devem ser solucionadas rapidamente em nome do futuro da economia dos dois blocos.

Presidente executivo de um dos maiores e mais respeitados conglomerados financeiros da Europa, o Banco Espírito Santo, o banqueiro Ricardo Espírito Santo Salgado tem uma preocupação muito clara a respeito do futuro da economia da Europa, do Mercosul e, em especial, do Brasil - país onde viveu entre 1975/1982 e que conhece a fundo.

Segundo ele, os dois blocos deveriam deixar de lado as questões pontuais que emperraram o acordo bilateral que esteve perto de sair em 2004 e partir, já, para uma ação estratégica que leve em conta algo mais importante.

Os problemas que travaram a pauta de entendimento, segundo ele, não devem ser ignorados, mas resolvidos o mais depressa possível em nome de um objetivo maior: o futuro da economia dos dois blocos.

Na visão de Salgado, existe no mundo um continente inteiro à espera de desenvolvimento - e uma ação coordenada da União Europeia e do Mercosul nessa direção poderá render frutos positivos para os três lados. Trata-se da África, continente responsável por apenas 1% do PIB mundial, onde vivem 15% da população do planeta.

Na opinião do banqueiro, União Europeia e Mercosul deveriam se unir e promover, em conjunto, o desenvolvimento do continente com o qual os dois blocos têm afinidades históricas e geográficas.

Como o senhor, como empresário, vê um possível acordo da União Europeia com o Mercosul?

Eu creio que um acordo do Mercosul com a Europa deve ter uma visão um pouco mais abrangente do que aquela que foi proposta em 2004. Parece-me fundamental encontrar uma forma de resolver as equações que paralisaram as negociações - como as exportações do frango e da carne do Brasil para a Europa.

É preciso encontrar uma solução para esses problemas pontuais e, ao mesmo tempo, ter uma visão mais estratégica e de longo prazo das vantagens que esse acordo pode nos trazer.

Que vantagens seriam essas?

Uma forma que nós, europeus e sul americanos, temos para lidar com o futuro de nossas economias é fortalecer nossos mercados e assumir, desde já, uma visão trilateral, incluindo a África. Não se trata de a Europa negociar com a África por seu lado e o Mercosul fazer o mesmo por um caminho diferente. Os dois blocos têm que somar esforços e pensar na África em conjunto.

Eu vejo uma ação conjunta entre Europa, Mercosul e África como um triângulo virtuoso, que pode se converter no acelerador do desenvolvimento econômico para os três lados. E se nós não forçarmos esse triângulo, assistiremos o continente africano se transformar cada vez mais numa plataforma de desenvolvimento que se afasta das sinergias existentes entre nossas regiões.

Se afasta em que direção? Da China?

Sim. É preciso que os negociadores tanto da Europa quanto do Mercosul levem em conta que o mundo está passando por mudanças profundas e que, mantido o ritmo atual, a China chegará a 40% do PIB mundial em 2040. A Índia terá 12% e os países emergentes do sudeste asiático, outros 12% de tudo o que o mundo produzir. Tudo isso sem considerar o Japão. É evidente que isso criará um desequilíbrio brutal nas relações econômicas internacionais.

Qual é o papel do Brasil e do Mercosul nesse cenário?

O Brasil e o Mercosul estão, até aqui, muito focados na exportação de produtos alimentícios para a Europa. É preciso ampliar essa visão. Por que não pensar, também, em soluções que incluam a exportação da tecnologia energética brasileira para a África?

Quando eu falo dessa tecnologia, não me refiro apenas à Petrobras e sua reconhecida capacidade de perfuração de petróleo em águas profundas. Estou a falar, também, de tudo que tem a ver com o etanol. O Brasil pode ajudar os países africanos que têm petróleo a encontrá-lo e ajudar os que não têm a produzir etanol. Condições para isso existem. Os países africanos têm terras e clima semelhantes aos do cerrado brasileiro e dispõem de reservas de água monumentais. Quando falamos de Angola, da África do Sul e Moçambique, por exemplo, percebemos que há coisas extraordinárias para se realizar ali.

Que outras áreas podem ser beneficiadas?

Outra área que tem um potencial de desenvolvimento enorme é a da saúde. A Europa tem uma capacidade científica e técnica extraordinárias. Pode haver uma conjugação de esforços com o Brasil e o Mercosul também nesse campo. Há muito o que ser feito para melhorar as condições de saúde na África, onde ainda existe malária e outras doenças gravíssimas em muitos países.

Que barreiras é preciso remover para os três lados tirarem proveito dessas coisas extraordinárias?

É preciso ter esse objetivo em foco e fazer um grande esforço nessa direção nas próximas negociações entre o Mercosul e a União Europeia. É preciso fazer o possível para que as negociações evoluam no sentido de uma abertura maior dos dois mercados entre si. Isso, é evidente, não pode ser feito de um momento par o outro. É preciso estabelecer metas progressivas que levem em conta os interesses dos dois lados.

Mas nada impede que, desde já, sejam programadas etapas que levem em conta uma colaboração organizada e uma coordenação da ação em relação à África. É possível, por exemplo, evoluir para um modelo no qual as exportações de alimentos do Brasil venham a ter um potencial muito maior em relação à África do que em relação ao mercado europeu.

O senhor está sugerindo que o Brasil e o Mercosul abandonem a Europa e se voltem exclusivamente para a África?

Eu não digo isso. A programação bilateral de abertura do mercado da União Europeia com o Mercosul tem de avançar. E mais: tem de ser uma programação feita com cuidado, para que ninguém saia perdendo. Não estou defendendo que o Mercosul adote a África como parceira e esqueça a Europa. Isso não é possível. Até porque, a Europa precisa das exportações do Mercosul e vice-versa.

O que estou dizendo é que a África, que tem quase 15% da população mundial, pode superar a Europa como destino das exportações brasileiras de alimentos. Mais do que isso, acredito que uma aceleração da economia africana contribuirá, e muito, para o desenvolvimento do Mercosul e da Europa.

Qual seria o caminho para se alcançar esse mercado?

Não vamos nos esquecer que a África tem 15% da população e menos de 1% do PIB mundial. É preciso um esforço coordenado no sentido de fortalecer a economia africana, criar melhores condições de vida e de trabalho nos países do continente. E quem tem as melhores condições de fazer isso são a Europa e os países de América do Sul.

Existe a proximidade geográfica e também as afinidades históricas indiscutíveis da Europa e da América Latina e com a África. São condições que facilitam o entendimento. É claro que os países ibéricos têm com a África e o Mercosul uma afinidade maior do que os demais. Mas há na África, além dos países de língua portuguesa, países de língua francesa e de língua inglesa...

...e não há ali nenhum país de língua asiática.

Sim. O avanço dos países asiáticos no cenário da economia mundial tende a ser cada vez mais profundo. Por consequência, está prevista uma redução progressiva do peso dos blocos ocidentais na economia global. Estima-se que, no ano de 2040, o PIB dos EUA não devem representar mais de 14% do PIB do mundo.

A Europa, nesse período, estará com algo entre 10% e 12%. Nesse cenário, a economia da América do Sul estará comprimida entre esses blocos. Mas é possível encontrar uma saída e fazer com que ela se expanda. Para isso é preciso, como ponto de partida, que deixemos de lado discussões pontuais sobre exportações e passemos a pensar de forma estratégica.

Se passarmos mais 20 anos discutindo o problema do frango ou das peças de automóveis, perderemos a oportunidade. Seria bom largar um pouco a ciumeira, que cada lado cedesse um pouco e que passássemos a pensar no futuro.

E como fica a própria África nessa equação?

Se os dois blocos estiverem a contribuir para o desenvolvimento da economia africana, numa ação mais coordenada, poderemos assistir a uma aceleração enorme do PIB naquele continente. O dois blocos crescerão ainda mais se puderem, ao mesmo tempo, aumentar seu comércio com a África, mas a África crescerá muito mais se os dois se colocarem como seus parceiros preferenciais.

Os Estados Unidos são um importante parceiro da Europa e do Mercosul. Seria possível excluí-lo dessa equação?

Eles têm uma relação muito grande com a UE e com todo o Mercosul. Eles não ficarão, de forma alguma, prejudicados pela aproximação dos dois blocos com a África. Pelo contrário: um maior desenvolvimento nessas regiões será muito benéfico para a economia americana.

Agora, não nos esqueçamos: a economia americana tem um grande vetor de exportação, por exemplo, para a UE. Mas está relacionada muito mais diretamente com a economia da Ásia. Hoje, as relações dos EUA com a China são importantíssimas para o mundo.

Como vencer eventuais resistências e conduzir politicamente essa questão?

Julgo que o presidente Lula está muito atento a esse aspecto. Ele se referiu várias vezes em discursos que a África é uma prioridade para o Brasil. Que não ela seja uma prioridade apenas para o Brasil, mas para o Mercosul e União Europeia. Estamos perdendo tempo com detalhes, que são importantes e podem ser programados.

Mas perdendo uma visão global que pode ser mais abrangente e que pode constituir um fator de desenvolvimento. O presidente Lula tem-se afirmado como grande líder a nível mundial, pode conduzir esse processo com autoridade.

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Publicado no jornal Brasil Econômico em 10 de maio de 2010.

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