sexta-feira, 19 de março de 2010

Inserção internacional

Há espaço para a "intrusão" do Brasil?


A certo ponto da reunião de ontem da comitiva brasileira com o príncipe Hassan ibn Talal, tio do rei Abdullah 2º, da Jordânia, e com o chanceler Nasser Judeh, os próprios brasileiros trouxeram ao diálogo uma dúvida que é recorrente no Brasil, fora do governo: disseram que às vezes sentem-se como "intrusos" no processo de paz no Oriente Médio.
"É o tipo da intrusão que queremos", responderam os dois jordanianos.
Resposta tranquilizadora para a ânsia com que o presidente Lula busca tornar-se parte do processo. Mera cortesia dos anfitriões, como de resto já havia acontecido em Israel e na Palestina, ou possibilidade real de participação?
Não há resposta definitiva por enquanto. Até porque o assessor diplomático de Lula, Marco Aurélio Garcia, deixa claro que só lá pelo meio do ano é que se terá uma visão algo mais clara de que participação o Brasil poderá ter e, assim mesmo, no futuro. Dificilmente será no governo Lula, aliás.
De todo modo, Marco Aurélio tem uma análise que é igual à que se faz em boa parte do mundo rico: "A crise dos grandes atores internacionais permite a emergência dos outros".
O chanceler Celso Amorim também adota um grau de realismo sobre o papel do Brasil que o voluntarismo do presidente às vezes sobredimensiona. Diz que o papel do Brasil "não é o de vir com uma fórmula pronta" para resolver o conflito, mas o de contribuir com o que chama de "um novo olhar sobre o problema".
"O ator fundamental continua sendo os Estados Unidos, mas tudo o que diz Washington desperta uma dada reação, ao passo que o Brasil não entra com uma bagagem de interesses estratégicos, militares e econômicos apenas para tentar melhorá-la", diz Amorim.
Marco Aurélio reforça o realismo quando é lembrado pela Folha que, antes de sentar novos atores à mesa de negociações, como seria o Brasil, é preciso haver a mesa, o que não existe hoje. "Tem coisas que não dominamos", admite.
Mas o Brasil não busca protagonismo apenas pela nobreza da causa da paz. "Não somos nem a Cruz Vermelha nem a Legião da Boa Vontade", ironiza Marco Aurélio.
O Brasil quer igualmente fazer negócios, expandir seu comércio, ter suas empresas atuando globalmente, o que significa presença também no Oriente Médio, o que hoje é complicado pela instabilidade. "Não nos interessa uma situação degradada, que ameaça a paz internacional", fecha o assessor da Presidência.

(CLÓVIS ROSSI)

Publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 19 de março de 2010.

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