terça-feira, 10 de agosto de 2010

Venezuela - Colômbia

ANÁLISE

Todos ganham com o teatro de Chávez -menos as Farc

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Colou o mais recente teatrinho encenado por Hugo Chávez. O rompimento de relações com a Colômbia e o decorrente empenho de todas as partes em restabelecê-las tirou totalmente o foco da denúncia do anterior governo colombiano sobre a presença de um nutrido grupo de narcoterroristas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em território venezuelano.
Se Chávez estiver sendo sincero ao dizer, agora, que não aprovou, não aprova nem aprovará a presença do que chama de "forças guerrilheiras" em território da Venezuela, a maneira de demonstrá-lo era simples: bastava pedir a governos amigos (Brasil, Argentina, Equador, Bolívia) que enviassem representantes às zonas em que a Colômbia dizia haver acampamentos.
Se eles não existissem, Uribe teria sido desmoralizado e nunca mais o dossiê Farc poderia ser esgrimido pela Colômbia nas relações com a Venezuela.
Chávez preferiu acusar o acusador, velhíssima tática que muitas vezes dá certo.
Deu desta vez porque o novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, não tem o menor interesse em manter congeladas as relações com o vizinho.
Uribe, prestes a deixar o governo, podia, perfeitamente, aguentar alguns meses de queda nas trocas comerciais (caíram de US$ 6,514 bilhões em 2008 para apenas US$ 2,6 bilhões em 2009; a previsão para este ano era de apenas US$ 1 bilhão).
Juan Manuel Santos não pode passar todo o seu mandato nessa situação.

BASES ESQUECIDAS
Que o rompimento era puro teatro, prova-o o fato de que Chávez, para "virar a página" das relações com a Colômbia, nem sequer mencionou o motivo das restrições que impusera ao comércio com a Colômbia, ainda antes do rompimento: as bases colombianas cedidas para uso de militares americanos.
Bases, de resto, negociadas durante a gestão de Santos como ministro da Defesa de Uribe.
Com o teatro, Chávez livra-se do incômodo que seria qualquer investigação séria sobre as denúncias do governo Uribe. Se antes o presidente venezuelano dizia respeitar o "projeto político" das Farc, agora pede que os guerrilheiros libertem os sequestrados e deponham as armas -exatamente o que exige Santos como condição indispensável para iniciar o diálogo proposto pelo próprio grupo narcoterrorista.
O presidente colombiano também ganha: livra-se de um tambor para as Farc bem ao lado e retoma um comércio importante para dar impulso à economia, o que será vital para seu prestígio, até aqui basicamente emprestado de Uribe.
Um bom negócio para todos, portanto. Perdem apenas as Farc, privadas agora do único governante latino-americano que ainda dizia ter "respeito" pelo projeto do grupo.

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 10 de agosto de 2010.

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