quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Azeredo da Silveira

Livro traz luz sobre chanceler de Geisel

Pai do "pragmatismo responsável", Azeredo da Silveira inspira atual debate sobre a política externa brasileira

Ex-ministro Lampreia, que foi colaborador de Silveira, afirma que chanceler não tinha "conteúdo ideológico"

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Diplomata com muitos seguidores e desafetos, à esquerda e à direita, Antônio Azeredo da Silveira (1917-1990) traz ecos do passado recente ao debate sobre a política externa brasileira em depoimento colhido há 30 anos e que a FGV lança em livro nesta semana. Chanceler de 1974 a 1979, na ditadura militar, Silveira consolidou com o presidente Ernesto Geisel uma virada diplomática -o Brasil deixou o "alinhamento automático" com os EUA existente após o golpe de 1964, rompeu com o colonialismo português na África e aproximou-se de países árabes (motivado pela crise do petróleo). A política foi batizada por Geisel de "pragmatismo responsável", a segunda palavra indicando que não romperia limites inaceitáveis para os militares, como reatar relações com Cuba. Mas Silveira preferia qualificá-la de ecumênica, enfatizando a diversificação de parcerias: "A triangulação [com América do Sul, África e Japão] era a única maneira de a voz brasileira ser ouvida pelas superpotências". Ele gravou a entrevista entre 1979 e 1982, quando embaixador nos EUA, para ser divulgada depois de sua morte. "Azeredo da Silveira, um Depoimento" é a primeira transcrição. Nela, qualifica de "subdesenvolvidos mentais" seus críticos na linha-dura militar e na imprensa: "Querem ensinar os americanos a ser ocidentais. Se há um país que não tem mais tamanho para parceria seletiva é o Brasil".

LINHA HISTÓRICA
O organizador do livro é Matias Spektor, da FGV-Rio, que no livro "Kissinger e o Brasil" descreveu a tentativa de Silveira de estabelecer "relação especial" com os EUA, frustrada no governo de Jimmy Carter (1977-1981). Para Spektor, há hoje uma "importância renovada" dos temas da época, incluindo a "busca explícita por ascensão no sistema internacional" e a "dificuldade de manter uma política engajada" com Washington. Em artigo inédito, as especialistas Maria Regina Soares de Lima e Monica Hirst, que tomaram o depoimento de Silveira, apontam na política externa de Lula "um salto qualitativo dentro de uma mesma matriz de ideias e visões de mundo". O chanceler Celso Amorim diz que a analogia é "simplificadora", dados os contextos internos e internacionais diferentes. Mas cita "pontos de contato", em linha histórica que começa na "política externa independente" de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). "A política do presidente Lula retoma alguns temas, de afirmação da posição internacional do Brasil, de visão ampla dos interesses nacionais, não limitados a esta ou aquela potência. Há pontos de contato, sobretudo no ânimo da política, mas os problemas mudaram." Colaborador de Silveira por anos, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia (1995-2001) vê no livro um "testamento político", numa fase em que o ex-chefe do Itamaraty frustrara-se por não ter sido mantido no cargo por João Baptista Figueiredo, último presidente militar. Lampreia diz que Silveira teve "papel central para mudar o paradigma da diplomacia" no período republicano, baseado na aliança com os EUA. Mas nega que ele seja "predecessor" de uma política de esquerda. "Ele não era antiamericano. Não tinha um conteúdo ideológico." No depoimento, Silveira se distancia da diplomacia de Jânio e Jango porque os "militares tinham horror" a ela. Para Lima e Hirst, esse distanciamento foi "instrumental" porque a política externa foi vendida às Forças Armadas como parte do projeto de "Brasil potência".

ATAQUES
Protegido pelo sigilo temporário, Silveira distribui ataques na entrevista. Não poupa nem "amigos", como Paulo Nogueira Batista, negociador do acordo nuclear com a Alemanha, que chama de "ambíguo". O tom de autoelogio reforça críticas como a do embaixador Ovídio Melo, que era o chefe da missão em Angola quando o Brasil reconheceu o governo independente pró-soviético. A medida causou reação da extrema direita militar, e Melo passou os 19 anos seguintes sem promoção no Itamaraty. "Foi Geisel, e não Silveira, que teve posição mais destemida no reconhecimento de Angola", diz ele. Silveira revela antipatia visceral pela Argentina, que punha obstáculos à usina de Itaipu. Chega a afirmar ter sido envenenado em reunião na embaixada argentina em Washington. Apesar de apontar a América do Sul como "plataforma de voo" do Brasil, a integração regional foi dificultada em sua gestão por essa rivalidade e as desconfianças entre os militares no poder na maioria dos países, descontada a matriz comum anticomunista. Silveira também afirma que o voto pela resolução da ONU que equiparou o sionismo ao racismo foi uma decisão de Geisel -diz que defendia a abstenção. A fórmula Silveira-Geisel teve a marca dos anos 70. Os EUA estavam às voltas com a derrota no Vietnã e a crise do petróleo e temiam a concorrência econômica do Japão e da Alemanha. A détente com os soviéticos congelava a divisão do mundo. O quadro mudou nos anos 80, sob Ronald Reagan, que relançou a corrida armamentista com a URSS, enquanto a crise da dívida reduzia o espaço de manobra dos países em desenvolvimento. O tema da independência na diplomacia ressurge quando o poder americano volta a ser relativizado.

FOLHA.com
Leia depoimentos sobre Azeredo da Silveira

.................................
Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 14 de novembro de 2010.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Conselho de Segurança

SAIBA MAIS

Reforma conta com ao menos três propostas

DO RIO

Em debate desde os anos 1990, a proposta de ampliação do Conselho de Segurança da ONU foi relançada em 2005 pelo então secretário-geral Kofi Annan, mas enfrenta resistência dos atuais membros permanentes a ceder poder e disputa entre os possíveis candidatos às novas vagas.
Para ser aprovada, a reforma precisa do apoio de dois terços da Assembleia Geral de 192 países e da ratificação do CS, hoje composto pelo P5 (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido) e mais dez membros não permanentes, eleitos para dois anos.
Há três propostas principais de reforma.
O G4 (Brasil, Alemanha, Índia e Japão) reivindica o aumento do número de membros permanentes para 10 ou 11, com a inclusão dos quatro do grupo e um ou dois africanos. Admite período de transição até que os novos integrantes tenham poder de veto.
A União Africana propõe a ampliação do CS para 26 cadeiras. Não fixa o número de novos permanentes, desde que dois deles sejam africanos, e exige que o direito de veto seja estendido imediatamente à nova cúpula.
O grupo Unidos pelo Consenso, com cerca de 40 países, propôs em 2005 que o número de vagas não permanentes seja ampliado de 10 para 20 assentos, que seriam ocupados em bases regionais para mandatos de dois anos.
Liderado por Itália, Paquistão, Coreia do Sul e Colômbia, o grupo teve o apoio discreto da China.

............................
Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 09 de novembro de 2010.

Conselho de Segurança

EUA pedem Índia no Conselho de Segurança

Gesto de Obama desagrada Paquistão e amplia contencioso com China, que não quer rivais regionais no órgão

Para Washington, apoio reforça aproximação com Nova Déli; projetos divergentes travam ampliação do CS

Jim Young/Poo/France Presse

O presidente Barack Obama ao lado do premiê indiano, Manmohan Singh, após discursar no Parlamento em Nova Déli

DAS AGÊNCIAS NOTÍCIAS

O presidente americano, Barack Obama, anunciou ontem em Nova Déli o apoio dos EUA à candidatura da Índia a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, quando o órgão formalmente responsável pela paz e a segurança internacionais for reformado.
O apoio visa reforçar a aproximação bilateral que ocorre desde o início da década e aumenta a lista de contenciosos entre EUA e China, que resiste à possibilidade de ascensão ao CS de dois rivais regionais -Índia e Japão.
Também repercutiu mal na relação entre EUA e Paquistão -aliado desde a Guerra Fria, mas que já foi desprestigiado quando Washington assinou, em 2005, acordo de cooperação nuclear civil que na prática reconheceu a Índia como potência atômica não signatária do Tratado de Não Proliferação, deferência que Islamabad não teve.
"A ordem internacional justa e sustentável que a América busca inclui uma ONU que seja eficiente, efetiva, crível e legítima", disse Obama, ontem, após proclamar que a Índia "já emergiu".
"Por isso posso dizer hoje que, nos próximos anos, torcerei por um Conselho de Segurança que inclua a Índia como membro permanente."
Nem Obama nem os assessores que o acompanham falaram em prazo para a reforma do CS. "Será um processo muito difícil que pode levar muito tempo", disse ao "New York Times" o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, William Burns.
No governo George W. Bush (2001-2009), os EUA já haviam apoiado formalmente o Japão, mas não Brasil nem Alemanha.
Esses três países mais a Índia formam o G4, que propõe que o número de membros permanentes do CS seja ampliado de cinco (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido) para 10 ou 11, com a inclusão dos quatro mais um ou dois africanos.
Há vários modelos de reforma em competição, mas o apoio dos EUA à Índia foi interpretado como indicação de preferência americana pela proposta do G4.
Em resposta a Obama, o premiê indiano, Manmohan Singh, disse que os dois países decidiram "acelerar o aprofundamento dos laços para trabalhar como iguais numa relação estratégica".
Para Stewart Patrick, do Council on Foreign Relations, os EUA têm interesse em ampliar o CS para dividir "privilégios e ônus" da liderança global. "A melhor época para um Estado dominante ceder algum poder aos que ascendem é quando ainda podem ditar os termos da mudança", disse Patrick, para quem Washington deveria apoiar a fórmula do G4.
A Índia ocupará uma das dez vagas não permanentes em 2011, com a Alemanha e o Brasil, eleito em 2009 para mandato de dois anos.
O Paquistão criticou a declaração de Obama, relacionando-a indiretamente à disputa entre EUA e China.
"O Paquistão espera que os EUA adotem uma posição moral, e não se baseie numa necessidade temporária ou em exigências da política do poder", disse um porta-voz da Chanceleria.
Para contrabalançar o acordo nuclear EUA-Índia, Pequim firmou pacto para a construção de usinas nucleares de energia no Paquistão. Os EUA também assinaram, em julho, acordo de cooperação atômica com o Vietnã, outro rival dos chineses.

............................
Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 09 de novembro de 2010.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Política Externa

ANÁLISE

Resultado pode frustrar planos do governo na política externa

STEPHEN R. HURST
DA ASSOCIATED PRESS,
EM WASHINGTON

A vitória republicana nas eleições pode frustrar as esperanças do presidente Obama sobre redefinir o relacionamento com a Rússia, e abrir caminho a uma abordagem mais dura com a China.
A reacomodação na estrutura de poder do Congresso pode resultar em mais apoio às políticas de Obama quanto ao Afeganistão, mas forçar o presidente a relaxar sua atual pressão sobre Israel.
A secretária de Estado, Hillary Clinton, afirmou que os resultados não mudarão o rumo americano nas relações exteriores porque "a política para na fronteira".
A despeito de suas palavras, uma mudança dramática no cenário político certamente terá efeito considerável, tanto em termos concretos quanto de mensagem.
Uma voz mais forte dos republicanos no Congresso pode levar o presidente a repensar alguns de seus planos.
Embora o confronto entre EUA e Irã venha sendo o destaque, as disputas que fervem lentamente no relacionamento com a China são provavelmente a área mais aberta a ações americanas rápidas, quando os republicanos passarem a deter maioria da Câmara e presença maior no Senado.
Os republicanos tradicionalmente adotam linha dura em questões comerciais.
A China enfrenta críticas pela política cambial de moeda desvalorizada que adota, parcialmente responsável pelo deficit comercial desproporcional de Washington em relação a Pequim.
Agora se tornou mais provável que Washington venha a impor alguma forma de sanção contra Pequim, devido à manipulação da moeda.
A política externa de Obama pode sofrer forte abalo no que tange ao relacionamento com a Rússia. Muitos conservadores mantiveram a desconfiança quanto a Moscou que sentiam na Guerra Fria, o que pode dificultar a ratificação pelo Senado do novo tratado de redução de armas.
Ainda que Washington esteja envolvida em guerras no Iraque e Afeganistão, as duas dispendiosas e sangrentas empreitadas atraíram pouco interesse neste ano eleitoral.
Embora os democratas estejam perdendo a paciência com o conflito no Afeganistão, que está chegando ao seu décimo aniversário, Obama provavelmente conseguirá apoio às suas políticas para a guerra junto aos republicanos, que devem pressioná-lo para limitar ou postergar os planos de iniciar a retirada em 1º de julho. Os republicanos em geral assumem postura mais agressiva quanto a assuntos de guerra e paz.
No Oriente Médio, os fortes ganhos republicanos provavelmente custarão a Obama alguma margem de manobra na sua promoção de negociações de paz entre Israel e os palestinos. O presidente vem exercendo pressão sobre os israelenses para que suspendam seus projetos de construção de assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Nobel da Paz

Conheça todos os vencedores do prestigiado prêmio Nobel, que é concedido pelo trabalho de indivíduos e instituições em questões de direitos humanos, conflitos e controle de armas.


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

1ª Guerra termina em outubro com pagamento alemão


RENATO MARTINS - Agência Estado

A revista semanal alemã Der Spiegel informa que a Alemanha fará em 3 de outubro seu último pagamento das reparações de guerra relativas à Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Com o pagamento de 56 milhões de euros, o conflito, que deixou 16 milhões de mortos, estará oficialmente encerrado, 92 anos depois. O país comemora no mesmo dia a reunificação alemã.

Segundo a revista, pelo Tratado de Versalhes, imposto pelas potências que venceram o conflito, a Alemanha, declarada a única culpada, deveria pagar como reparações 269 bilhões de marcos de ouro, equivalentes a 96 mil toneladas de ouro. Em 1929, um acordo reduziu essa dívida a 112 bilhões de marcos de ouro. O país emitiu bônus para quitar a dívida em 1924 e em 1930.

A Alemanha suspendeu os pagamentos em 1931, por causa da crise financeira global, e recusou-se a retomá-los em 1933, quando Adolf Hitler chegou ao poder. Em 1953, a Alemanha Ocidental concordou em assumir a dívida e pagou o montante principal nos anos seguintes, mas o acordo permitia que o país adiasse o pagamento dos juros acumulados entre 1945 e 1952 até que estivesse reunificada, o que aconteceria somente em 1990.

Celso Amorim ultrapassa barão de Rio Branco em dias no cargo

Ambos expandiram a representação diplomática no exterior

ANDRÉ LOBATO
DE SÃO PAULO

Celso Amorim é o ministro das Relações Exteriores que mais dias ocupou o cargo na história do Brasil, ultrapassando nesta semana o barão de Rio Branco, o patrono da diplomacia brasileira.
Em Nova York para a Assembleia Geral das Nações Unidas, Amorim passou ontem em um dia o barão, que ficou 3.356 dias no cargo.
A superação se constata com a soma dos dias do governo Lula com os períodos como chanceler interino e nomeado por Itamar Franco, de 20 de julho de 1993 até o fim do mandato em 1994.
José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, foi chanceler de quatro presidentes entre 1902 e 1912.
Na história brasileira, o barão ficou conhecido por ter negociado as fronteiras brasileiras como são hoje.
"É o único caso de um território continental em que as fronteiras foram negociadas sem que houvesse guerra", afirma o historiador João Daniel Lima de Almeida.
A superação do grande ícone da diplomacia brasileira é um tabu que silencia diplomatas. Honrarias, salas e o instituto que forma os diplomatas brasileiros levam o nome do barão.
O próprio Amorim se nega a falar sobre assunto. Sua assessoria respondeu: "Ele disse que admira o barão e portanto não quer "brigar" com o fantasma dele".
Se o atual chanceler é visto por muitos hoje como resistente à política externa americana, o barão é amplamente reconhecido na historiografia diplomática brasileira pelo seu posicionamento pró-Estados Unidos.
A relação com o país que então emergia como uma potência mundial trouxe dividendos para o Brasil, que obteve apoio americano em negociações multilaterais do início do século passado.
Amorim, que foi considerado o melhor chanceler do mundo por David Rothkopf, da publicação "Foreign Policy", é admirado e criticado por ser resistente ao alinhamento aos EUA. Em comum, ambos expandiram significativamente a representação diplomática brasileira no exterior.

FOLHA.com
João Daniel Lima de Almeida compara os legados diplomáticos

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Venezuela

ANÁLISE VENEZUELA

Maioria simples não é sinal direto de vitória

Resultados confirmam tendência de queda na popularidade de Chávez e apontam para situação difícil em 2012

LUIS VICENTE LEÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em um país convencional, a vitória em um pleito legislativo é determinada pela obtenção de uma maioria simples, isto é, mais de 50% dos assentos. No caso venezuelano, não é assim tão simples.
Nos preparativos para essa eleição, a "revolução" redefiniu a lei eleitoral, ampliando as distorções de representação em favor de zonas menos povoadas e alterando os limites dos distritos eleitorais, tomando por base o perfil histórico do voto chavista.
Isso resultou em uma distorção concretizada domingo, quando os partidários de Hugo Chávez conquistaram cerca de 50% dos votos mas ainda assim receberam mais de 60% dos assentos.
Em poucas palavras, Chávez chegou ao pleito conferindo a si mesmo uma vantagem de 30 cadeiras sobre seus adversários, caso o número de votos recebidos pelos dois grupos fosse o mesmo. A pergunta, portanto, passa a ser: ele deve ser considerado vitorioso ao obter uma maioria simples?
Obviamente trata-se de um triunfo que ele pode explorar politicamente -"somos a maioria no Parlamento"-, mas o discurso pós-eleitoral não ostentará mais o esplendor do passado. Talvez por isso o presidente tenha cancelado sua típica comemoração no Balcón del Pueblo, na noite da eleição.
Chávez fez da votação um plebiscito. O desafio que ele propôs: "Conquistar dois terços da Assembleia será a dimensão de nosso triunfo".
Mas a oposição, até agora desprovida de influência, conquistou uma posição relevante ao impedir o governo de obter a maioria qualificada (66%), o que força Chávez a negociar para aprovar leis, governar por decreto ou convocar uma Constituinte.
Portanto, a notícia relevante seria a de que ele manteve a maioria simples ou a de que perdeu seu controle férreo sobre o Legislativo?
O mais importante é que Chávez terminou próximo dos adversários ou derrotado, se computado o voto nacional total (o fato de os resultados totais ainda não terem sido divulgados oficialmente tem importância estratégica). O presidente poderá continuar ignorando essa metade do país?
Parece que não. O resultado serviu para confirmar o que as pesquisas vinham mostrando nos últimos anos: uma séria tendência de queda em sua popularidade, que o conduziu dos 75% de 2004 a 47% hoje. É óbvio que continua sendo um líder forte, o que impressiona depois de 11 anos, mas já não está na sua zona de conforto e parece possível derrotá-lo nas eleições presidenciais de 2012.
O que veremos agora será a segunda rodada dessa disputa: marketing político para vender como sucesso revolucionário a maioria simples, aprovação de leis e poderes especiais que o blindem no futuro (antes que o novo Congresso tome posse em janeiro) e uma reengenharia na estratégia de conexão com o povo. Isso o encaminhará a um dos dois extremos: moderação com aumento de gastos públicos ou radicalização maior da revolução e um conflito previsível com os setores políticos e econômicos cujo poder tentará confiscar.
Mas só saberemos o que virá quando Chávez escolher que caminho lhe convém.


LUIS VICENTE LEÓN é sócio-diretor do instituto Datanálisis

..................................
Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 28 de setembro de 2010.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Inglês jurídico


O Curso Diplomacia, com apoio cultural do escritório CVSR Advocacia e Consultoria Empresarial, promove o curso de Inglês Jurídico, que terá uma aula inauguralgratuita dia 13 de setembro e inicia dia 27 de setembro.

O curso visa principalmente dar suporte aos profissionais e estudantes que atuam na área jurídica e empresarial internacional e que precisam estar preparados para ummercado de trabalho globalizado.

As aulas serão às segundas-feiras das 19h às 22h.

Mais informações pelo telefone 51 32075697.


Basileia III

Basileia III eleva ações de bancos

GILBERT KREIJGER E STEVE SLATER REUTERS

AMSTERDÃ - As novas regras de capital dos bancos acordadas pelos reguladores globais levaram algum alívio às instituições financeiras nesta segunda-feira, apesar de um dos arquitetos das medidas dizer que o setor pode ter que levantar centenas de bilhões de euros.

As novas regras, chamadas de Basileia III, pedem que os bancos tenham um capital de alta qualidade totalizando 7 por cento de seus ativos de risco. O novo valor será um aumento ante os atuais 2 por cento, mas está abaixo do número que muitos temiam.

Os bancos da Europa são os que têm maior probabilidade de ver necessidade de levantar recursos, sobretudo na Alemanha, na Espanha e em outros locais fracos.

"Serão centenas de bilhões (de euros)", disse o membro do conselho do Banco Central Europeu (BCE) e diretor do Comitê da Basileia de supervisão bancária, Nout Wellink.

"Em parte, eles terão de reter lucros por anos que eles não podem usar para pagar acionistas ou bônus. De outro lado, e isso vai variar de banco para banco, eles terão de obter recursos no mercado de capitais", acrescentou ele ao NOS Radio 1 Journaal.

O índice europeu de ações bancárias subia 1,9 por cento.

Os papéis de bancos na Ásia também tiveram ganhos, incluindo os do Japão, que têm os menores níveis de capital da região. O Mizuho Financial Group avançou 2 por cento e o Mitsubishi UFJ Financial Group, 3 por cento.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Le Monde

Au Pays basque espagnol, une lueur d'espoir

L'ETA a annoncé une trêve dimanche 5 septembre. Une de plus, serait-on tenté de dire, tant l'organisation séparatiste basque a habitué les Espagnols à parsemer son histoire sanglante d'appels à la paix qui tous ont, jusqu'ici, conduit à une impasse politique et au retour des attentats.

Cette fois, pourtant, l'accueil fait au communiqué de l'ETA laisse entrevoir que quelque chose est peut-être en train de changer au sein du monde indépendantiste radical basque.

Le Parti socialiste, au pouvoir en Espagne et dans la région autonome, a jugé "clairement insuffisante"l'annonce, par trois membres cagoulés de l'organisation terroriste, que l'ETA a décidé de ne pas entreprendre d'"actions armées offensives", c'est-à-dire d'attentats. Cette froideur contraste singulièrement avec l'espoir suscité par le précédent "cessez-le-feu", en mars 2006.

Lors de son premier mandat à la tête du gouvernement espagnol, José Luis Rodriguez Zapatero, avait beaucoup misé sur un "processus de paix" au Pays basque, au point de donner son accord à des négociations secrètes avec l'organisation armée alors même que celle-ci ne respectait pas, à l'évidence, sa part du marché et continuait à racketter les entrepreneurs basques pour se financer et à s'approvisionner en armes. L'ETA avait mis fin à cette nouvelle tentative de négociation en faisant exploser une voiture piégée dans un parking de l'aéroport de Madrid, tuant deux immigrés équatoriens. Echaudés, les socialistes demandent désormais à l'ETA une renonciation définitive à la violence avant toute négociation. Or ce n'est pas ce qu'annonce le communiqué de dimanche.

L'autre nouveauté, c'est que l'annonce de l'ETA pourrait aussi avoir été jugée insuffisante par une bonne partie de ceux qui constituent sa mouvance politique. Pendant des décennies, les divers avatars de la "vitrine politique" de l'ETA, jusqu'au parti Batasuna et ses héritiers d'aujourd'hui, ont épousé fidèlement la ligne des "militaires". Mais, depuis le printemps, la "gauche abertzale" ("patriote", en basque), sous l'influence de conseillers sud-africains et nord-irlandais, semble décidée à faire pression sur l'appareil militaire de l'organisation pour le convertir à une "voie politique", qui supposerait l'abandon des armes. La presse a révélé que les dirigeants de l'ex-Batasuna (le parti est interdit depuis 2003) attendaient de l'ETA l'annonce d'une trêve"permanente" et "vérifiable" par une commission internationale. Désireuse de présenter des candidats aux élections municipales de 2011, la mouvance Batasuna veut être à nouveau légalisée. Pour ce faire, elle doit satisfaire une condition sine qua non posée par le gouvernement espagnol : renoncer à la violence. La trêve annoncée par l'ETA n'est ni "permanente" ni "vérifiable". La question aujourd'hui est de savoir si, alors que l'appareil militaire de l'ETA est affaibli comme jamais au cours de son histoire par la coopération policière entre l'Espagne et la France, les tenants d'une voie politique parviendront à s'imposer aux partisans des armes. Ce n'est pas acquis.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Cooperação Brasil-Argentina

Brasil reforça cooperação nuclear com Argentina

Diplomacia busca posições conjuntas em fóruns sobre não proliferação


Itamaraty considera ter superado desconfianças de Buenos Aires face à aproximação brasileira em relação ao Irã


CLAUDIA ANTUNES

DO RIO

O governo brasileiro busca implementar novos projetos de cooperação tecnológica e industrial com a Argentina na área nuclear, a fim de superar desconfianças recentes e fortalecer a coordenação bilateral nos fóruns internacionais sobre não proliferação e desarme.

Para o Brasil, os acordos são vistos como garantia de transparência do seu programa atômico. Além disso, os dois países veem chances de negócios num possível boom da energia nuclear, com a queda do uso de combustíveis fósseis devido ao aquecimento global.

A colaboração foi tratada pelos presidentes Lula e Cristina Kirchner, no início do mês, e prevê, em médio e longo prazo, uma empresa binacional e o projeto de reatores multipropósito, para a produção de isótopos médicos e pesquisa científica.

Ela será avaliada entre amanhã e sexta, em Buenos Aires, em reuniões de três instâncias -a Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle), que realiza inspeções mútuas, a Coben (Comissão Binacional de Energia Nuclear), órgão técnico, e o CPPN (Comitê Permanente de Política Nuclear), de coordenação diplomática.

O encontro do CPPN será o primeiro desde 2005, embora os dois países tenham atuado juntos na recente revisão do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear).

Para sair do papel, o reator multipropósito e a empresa binacional, anunciada originalmente em 2008, enfrentarão obstáculos orçamentários, técnicos e políticos -o Brasil não pretende compartilhar tecnologia de enriquecimento de urânio.

Mas Vera Machado, subsecretária-geral do Itamaraty, e Odair Gonçalves, presidente da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), veem a perspectiva de aumentar em curto prazo o intercâmbio de técnicos e pesquisadores, entre outras medidas. Ambos estarão nas reuniões.

Na diplomacia, o Brasil busca manter posição afinada sobre o Protocolo Adicional do TNP -os dois países não aderiram ao instrumento. O argumento brasileiro é o de que a Abacc já representa garantias extras. Mas a não adesão não tem apoio unânime na Argentina.

"Não há chance de mudança de posição. Ficou claro que existe a Abacc, mecanismo único que precisa ser preservado, reforçado e mais conhecido. Esse é um ponto importante da agenda", disse Machado.

Outra questão foi a aproximação Brasil-Irã, que causou desconfiança na Argentina, onde iranianos são acusados do atentado contra uma associação judaica, em 1994. Ao "Clarín" o chanceler Celso Amorim disse que "não há nem foi proposta" colaboração nuclear com o país persa. "Eles estão convencidos", afirmou Machado.


Reunião é chance para países injetarem criatividade no TNP

MARCOS AZAMBUJA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Avançar o entendimento com nosso principal vizinho, no qual surgiu a Abacc, é elemento-chave no sistema que construímos bilateralmente e que se estendeu à AIEA. Foi isso que, finalmente, nos permitiu aderir ao TNP.
O sistema de contabilidade e controle que soubemos construir tem sido satisfatório não só para os dois sócios como tem criado confiança nas nossas relações com demais países como um todo. A Abacc tem sido vista como exemplar e como um possível modelo a ser aplicado a outras regiões do mundo onde uma rivalidade seja obstáculo a condições que permitam prosseguir e consolidar a interdição de aquisição e emprego de armas nucleares.
Brasil e Argentina devem enfrentar, agora, novo desafio: o de como se posicionar frente à demanda para que assinemos o Protocolo Adicional. A pressão é considerável: os países são os únicos membros do Grupo de Fornecedores Nucleares que ainda não o subscreveram.
A próxima reunião, em Buenos Aires, dará a chance para que os sócios vejam se é possível exercitar a diplomacia criativa que lhes permita dar à comunidade internacional garantias suplementares sem que isso se faça só pela adesão do Protocolo Adicional, modelo que carrega constrangimentos e a necessidade de aceitar controles ainda mais invasivos de atividades que se quer proteger.
O Brasil é sócio pleno e de boa fé do sistema de não proliferação e é também um dos poucos países engajados em um projeto, já muito avançado, de domínio do ciclo total do combustível nuclear.
O Brasil não perde de vista que o TNP é um conjunto de obrigações que vai além da não proliferação. É também um instrumento que consagra o direito ao desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos enquanto faz potências armadas avançarem para o desarmamento. O TNP está construído sobre esses três pilares, e a posição brasileira é que a preocupação com a proliferação não leve ao abandono dos dois outros objetivos.

O diplomata MARCOS AZAMBUJA foi embaixador em Paris e em Buenos Aires

................
Textos publicados no jornal Folha de S. Paulo em 24 de agosto de 2010.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

El País

EDITORIAL

Irak ante sí mismo

Estados Unidos termina una guerra que no ha podido ganar y deja atrás un país arruinado

20/08/2010

Estados Unidos ha puesto fin a una guerra que no debió comenzar nunca. Y lo ha hecho en unas condiciones en las que no puede ni proclamar la victoria ni tampoco reconocer la derrota, porque las causas alegadas para invadir Irak fueron falsas, la estrategia sobre el terreno, equivocada, y los objetivos perseguidos, imprecisos y cambiantes. Puesto que las armas de destrucción masiva que sirvieron de excusa a esta guerra resultaron ser una deliberada manipulación, sus promotores pasaron a justificarla como un intento de llevar la democracia a Irak. Es decir, trataron de ocultar detrás de una causa noble unos medios que desde el comienzo fueron abyectos.

El balance de muertos y heridos que deja esta guerra será siempre un acta de acusación contra quienes la desencadenaron, despreciando la legalidad y las instituciones internacionales en nombre de valores que traicionaban en el mismo momento de invocarlos. Más de 100.000 civiles iraquíes han perdido la vida en el conflicto, además de 4.700 soldados de la coalición, la mayoría de ellos estadounidenses. Estados Unidos, por otra parte, ha gastado cerca de 800.000 millones de dólares en la aventura, e Irak es hoy un país arruinado y con pocas esperanzas de estabilidad.

Contemplada en perspectiva, la frivolidad de las decisiones que condujeron a esta guerra, escenificada en la cumbre de las Azores entre Bush, Blair, Aznar y Durão Barroso, es una prueba de la facilidad con la que gobernantes elegidos democráticamente pueden desencadenar una tragedia estéril, y colocar al mundo al borde de la catástrofe, cuando una mezcla letal de megalomanía mesiánica y ensueños ideológicos inspira sus acciones.

El presidente Obama ha desoído las voces que le reclamaban prolongar la presencia de las tropas de combate en Irak más allá del próximo día 31, límite comprometido para la retirada durante su campaña electoral y que cumple antes de plazo. Mantenerlas por más tiempo no hubiera garantizado que las fuerzas iraquíes estuvieran en condiciones de asumir entonces la seguridad del país; tan solo se habría aplazado el momento de que los iraquíes se enfrenten a un problema que nadie podrá resolver por ellos. EE UU no retira los 50.000 soldados encargados de adiestrar a las nuevas fuerzas armadas.

Las fuerzas políticas iraquíes siguen sin alcanzar un acuerdo para formar Gobierno tras las elecciones de marzo. Esta ha sido una de las razones alegadas por los partidarios de retrasar la retirada estadounidense. Pero también puede servir en sentido contrario: mientras las tropas estuvieran en Irak, los líderes electos no tomarían conciencia de las urgentes responsabilidades que les incumben. Su país fue víctima de un gravísimo atropello, que ni siquiera la presencia de un tirano como Sadam Husein podía justificar. Pero en sus manos está ahora evitar que ese atropello dé la victoria a quienes, después de combatir a los norteamericanos durante siete años, no dudarán en volver sus armas contra los iraquíes para sojuzgarlos de nuevo.

© EDICIONES EL PAÍS S.L. - Miguel Yuste 40 - 28037 Madrid [España] - Tel. 91 337 8200

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A língua é dinâmica

PASQUALE CIPRO NETO

Se o dicionário não dá...


A língua vem antes do dicionário, ou seja, antes vem o uso dos vocábulos e depois o registro do uso


VOLTA E meia recebo mensagens de pessoas indignadas com o uso nos meios de comunicação de determinadas palavras "que não existem". Essa afirmação provavelmente resulte do que essas pessoas (não) encontram nos dicionários e vocabulários que consultam.
De início, é bom dizer que a língua vem antes do dicionário, ou seja, antes vem o uso das palavras e depois o registro desse uso. É claro que esse registro se apoia em alguns critérios. Não basta que fulano de tal diga ou escreva uma vez determinada palavra para que ela seja registrado nos dicionários ou no "Vocabulário Ortográfico", que é publicado pela ABL e tem força de lei.
O registro se baseia em critérios pré-escolhidos, que levam em conta o corpus estabelecido, a quantidade de ocorrências etc. Antes que alguém pergunte, o corpus (no caso de um dicionário) é a coletânea ou conjunto de documentos, obras etc. de que serão extraídos os vocábulos que ganharão registro. Em geral, o corpus de um dicionário como o "Aurélio" ou o "Houaiss" é vasto: inclui obras literárias clássicas e modernas, textos jornalísticos, publicitários, acadêmicos, científicos, jurídicos etc., a linguagem oral, familiar etc., os jargões, as gírias etc.
Hoje em dia, com os fartos recursos propiciados pela informática, a definição do que se vai registrar nos dicionários tornou-se tarefa mais fácil para os dicionaristas. Cria-se um programa de computador capaz de contar as palavras e informar a quantidade de ocorrências delas no corpus determinado. Feita essa catação eletrônica, resta às equipes a tarefa de analisar as ocorrências e os usos desses vocábulos.
Mas é claro que os dicionários só podem registrar uma palavra depois que ela entra em circulação, é usada aqui e ali, na linguagem X ou na Y etc. Vejamos dois exemplos: "sediar" e "imexível". A primeira palavra circula há muito tempo (o "Houaiss" diz que desde 1970), mas só recentemente ganhou registro nos dicionários. Um deles foi justamente o "Houaiss", em sua primeira edição (2001). "Mas isso (2001) é "recente'?", perguntarão alguns? Na nossa realidade, sim. A reedição de um dicionário é tarefa hercúlea, de alto custo, o que exige largo intervalo entre uma edição e outra. Nesse ínterim, a língua respira, as palavras surgem, mas muita gente acha que, se o dicionário não dá...
Se não dá, mais cedo ou mais tarde dará, se o uso se consagrar, é claro. É aí que pode entrar em cena o adjetivo "imexível", "cunhado" pelo ex-ministro collorido Rogério Magri, que um belo dia disse que a única coisa "imexível" era justamente elle (rarará!). O mundo caiu nas costas do pobre Magri, por ter ele usado um termo "que não existia".
O termo usado por Magri é perfeitamente sintonizado com os processos de formação das nossas palavras. De fato, faltava-lhe registro, ou seja, uso, mas daí para que o mundo desabasse sobre Magri são outros quinhentos. Quem saiu em defesa de Magri? O professor Antônio Houaiss, que, embora inimigo "íntimo" do governo ao qual Magri servia, veio a público dizer que "imexível"... Preciso repetir?
Bem, talvez justamente pela intervenção do professor Houaiss no episódio Magri, o "Houaiss" registrou "imexível" em sua primeira edição (2001), embora o uso do termo fosse quase sempre jocoso e se restringisse à informalidade. A última edição do "Houaiss" (2009) mudou de ideia, ou seja, cancelou o registro de "imexível", que, no entanto, permanece no "Vocabulário Ortográfico", verdadeiro coração de mãe. Mas isso é outra história. É isso.


..........................
Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 12 de agosto de 2010.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Venezuela - Colômbia

ANÁLISE

Todos ganham com o teatro de Chávez -menos as Farc

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Colou o mais recente teatrinho encenado por Hugo Chávez. O rompimento de relações com a Colômbia e o decorrente empenho de todas as partes em restabelecê-las tirou totalmente o foco da denúncia do anterior governo colombiano sobre a presença de um nutrido grupo de narcoterroristas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em território venezuelano.
Se Chávez estiver sendo sincero ao dizer, agora, que não aprovou, não aprova nem aprovará a presença do que chama de "forças guerrilheiras" em território da Venezuela, a maneira de demonstrá-lo era simples: bastava pedir a governos amigos (Brasil, Argentina, Equador, Bolívia) que enviassem representantes às zonas em que a Colômbia dizia haver acampamentos.
Se eles não existissem, Uribe teria sido desmoralizado e nunca mais o dossiê Farc poderia ser esgrimido pela Colômbia nas relações com a Venezuela.
Chávez preferiu acusar o acusador, velhíssima tática que muitas vezes dá certo.
Deu desta vez porque o novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, não tem o menor interesse em manter congeladas as relações com o vizinho.
Uribe, prestes a deixar o governo, podia, perfeitamente, aguentar alguns meses de queda nas trocas comerciais (caíram de US$ 6,514 bilhões em 2008 para apenas US$ 2,6 bilhões em 2009; a previsão para este ano era de apenas US$ 1 bilhão).
Juan Manuel Santos não pode passar todo o seu mandato nessa situação.

BASES ESQUECIDAS
Que o rompimento era puro teatro, prova-o o fato de que Chávez, para "virar a página" das relações com a Colômbia, nem sequer mencionou o motivo das restrições que impusera ao comércio com a Colômbia, ainda antes do rompimento: as bases colombianas cedidas para uso de militares americanos.
Bases, de resto, negociadas durante a gestão de Santos como ministro da Defesa de Uribe.
Com o teatro, Chávez livra-se do incômodo que seria qualquer investigação séria sobre as denúncias do governo Uribe. Se antes o presidente venezuelano dizia respeitar o "projeto político" das Farc, agora pede que os guerrilheiros libertem os sequestrados e deponham as armas -exatamente o que exige Santos como condição indispensável para iniciar o diálogo proposto pelo próprio grupo narcoterrorista.
O presidente colombiano também ganha: livra-se de um tambor para as Farc bem ao lado e retoma um comércio importante para dar impulso à economia, o que será vital para seu prestígio, até aqui basicamente emprestado de Uribe.
Um bom negócio para todos, portanto. Perdem apenas as Farc, privadas agora do único governante latino-americano que ainda dizia ter "respeito" pelo projeto do grupo.

..................................
Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 10 de agosto de 2010.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Língua portuguesa

Excelente para os candidatos aspirantes à carreira diplomática, que devem ter domínio da língua portuguesa!

Extraído do site do professor Cláudio Moreno: http://wp.clicrbs.com.br/sualingua/

Sexismo na linguagem

Uma leitora ficou inconformada com a manchete que encontrou em um grande jornal paulista: “Fulana de Tal foi o quinto juiz suspenso este mês pela Comissão de Arbitragem”. Segundo ela, o jornal demonstrou uma indisfarçável atitude machista ao empregar juiz em vez do consagrado feminino juíza. “O senhor não concorda que a gramática do Português tem um viés claramente sexista? Na escola eu nunca me conformei com a regra que nos obriga a dizer que “o menino, sua mãe, sua tia e suas três irmãs foram convidadospara o jantar” — em que um simples vocábulo masculino tem muito mais força gramatical que todos os vocábulos femininos reunidos! Qual o problema de usar convidadas? Por acaso o menino, com isso, sofreria algum tipo de humilhação? E alguém se preocupa com a humilhação das mulheres, neste caso? Em pleno séc. XXI, não deveríamos eliminar de nosso idioma esses resquícios patriarcais, contribuindo assim para derrotar a ideologia de desvalorização da mulher?”.

Minha cara leitora, não me leves a mal, mas vou discordar integralmente do que dizes com todo o respeito. Primeiro, nossa gramática não tem o “viés” (palavrinha da moda…) sexista que lhe atribuis; segundo, é impossível mudar essas regras; terceiro, mudanças introduzidas na linguagem não têm o poder de alterar a realidade objetiva; quarto e último, o jornal estava corretíssimo ao usar juiz, e nãojuíza. Vamos por partes. Em primeiro lugar, essa “supremacia” do masculino que nos leva a usarconvidados, e não convidadas, na tua frase (e que faz o dicionário registrar os substantivos no masculino singular aluno, lobo, prefeito) essa supremacia, repito, é ilusão. Mattoso Câmara Jr. fez, nos anos 60, a descrição definitiva do sistema de gênero e número de nossos substantivos e adjetivos: o plural é marcado por S, enquanto o singular se assinala pela ausência desse S; a marca do feminino é o A, enquanto o masculino se assinala pela ausência desse A. Sabemos que aluna,mestra e professora são femininos porque ali está a marca; inversamente, sabemos que aluno,mestre e professor são masculinos porque ali não está a marca. Por isso, quando quisermos sergenéricos, podemos usar o singular, masculino (ou seja, o número e o gênero não-marcados): “Obrasileiro trabalha mais do que o inglês” (entenda-se: “todos”) e por esse mesmo motivo o dicionário assim registra os substantivos. Paradoxalmente, o gênero que exclui é o feminino: se dissermos que o aumento vai ser estendido aos aposentados, homens e mulheres estão incluídos; se for, porém, estendido às aposentadas, os homens estão fora. Se o jornal escrevesse que “Fulana de Tal foi a quinta juíza afastada do cargo”, estaria afirmando que, além dela, quatro outras juízastinham sido afastadas. Como esse não foi o caso - os quatro suspensos antes dela eram homens -, o jornal teve de usar juiz, que engloba o masculino e o feminino.

As mulheres não devem sentir-se humilhadas por isso; é assim que funciona o nosso idioma. Por que afirmo que essas regras não podem ser mudadas por uma decisão política ou ideológica? Porque, diferentemente das leis que regem um país, das regras do futebol, da convenção de nosso condomínio ou do nosso sistema de acentuação e de ortografia que são regras de superestrutura, criadas por nós e, ipso facto, modificáveis por nós , as regras morfológicas e sintáticas do Português estão no nível estrutural, muito mais profundo, evoluindo ao longo dos séculos num ritmo e numa direção sobre os quais não temos o menor controle.

Por fim, estimada leitora, aconselho-te a abandonar essa esperança de que seja possível mudar a realidade apenas pela introdução de alterações na linguagem. Esta crença ingênua (e onipotente) esteve muito em voga nos anos 70, dando origem, inclusive, ao equivocado movimento dopoliticamente correto. Muitas feministas pós-Woodstock acreditavam que podiam resgatar (que verbozinho enjoativo!) a dignidade da mulher forçando na linguagem a visibilidade do gênero feminino. Se o vocábulo tinha dois gêneros, os dois deveriam aparecer na frase. Até bem pouco tempo, uma ONG brasileira fazia questão de escrever “os eleitores e as eleitoras votaram”, “os participantes e as participantes receberão”… Felizmente esta tendência está agonizante, e qualquer pessoa culta, quando escreve “Para o bem de seus filhos, os brasileiros deveriam escolher melhor os candidatos em que votam”, sabe que está dizendo “Para o bem de seus filhos (não importa o gênero), os brasileiros (não importa o gênero) deveriam escolher melhor os candidatos (não importa o gênero) em que votam”. Agora, imagina só se eu vou ter a coragem de escrever “Para o bem de seus filhos e de suas filhas, os brasileiros e as brasileiras deveriam escolher melhor os candidatos e as candidatas em que votam”. Que espanto sentiriam os meus leitores e as minhas leitoras!

[2ª parte]

Na coluna anterior, procurei demonstrar que não há nenhuma discriminação sexista nas regras de concordância nominal de nosso idioma, ao contrário do que apregoam certos grupos que lutam pelo reconhecimento dos direitos da mulher. Repito: uma expressão como meus amigos sempre terá dois valores um, mais restrito, que se refere apenas aos amigos homens; outro, mais genérico, que funciona como uma espécie de neutro, designando tanto os amigos masculinos quanto os femininos. Por que isso? Porque o masculino é o gênero não-marcado, inclusivo, enquanto o feminino é um gênero naturalmente excludente; ao falar de minhas amigas, falo das mulheres, e apenas delas. Não é, pois, uma mera atitude que possamos mudar de acordo com nossa vontade; trata-se, isso sim, da maneira como a língua se estruturou ao longo de sua formação, e não vai ser alterada pela decisão de um grupo, por mais numeroso que seja.

Ora, como isso contraria frontalmente algumas palavras de ordem que ainda são levadas a sério em nosso meio, diversos leitores escreveram para discordar do que afirmei. Dois deles tentaram ao menos entabular uma discussão teórica sobre o assunto, honestamente interessados em me convencer do seu ponto de vista; eu os respeito por isso, embora seus argumentos fossem mais emocionais e políticos do que lingüísticos. Os outros descambaram para o ataque pessoal, dizendo de mim o que Maomé não disse do toucinho machista, retrógrado e machista retrógrado foi o mínimo com que mimosearam este seu criado. A estes já vou avisando que aqui essa tática não pega; não tenho medo de rótulos, e não vou deixar que o conhecimento científico recue diante de patrulhadores que elevam o tom de voz para esconder a falta de estudo.

O principal defeito de seu raciocínio é confundir (1) a relação masculino-feminino do sistema morfológico do Português, que é imutável, com (2) a recusa que certos setores da sociedade ainda têm de usar os femininos de cargos e funções esta sim, uma atitude censurável e que pode (e deve) ser reformada em pouco tempo. No primeiro caso, o uso do masculino como forma abrangenteé indispensável para o funcionamento de uma língua como a nossa, em que o artigo, o numeral, opronome, o adjetivo e o particípio concordam em gênero com o substantivo que acompanham. Se a cada masculino acrescentássemos a forma feminina correspondente, deixaríamos de falar o Português e passaríamos a nos comunicar numa algaravia repleta de ecos intermináveis. Asseguro aos defensores da “inclusão lingüística” que uma frase do tipo “os dez cantores premiados serão reunidos no auditório, onde os admiradores poderão fotografá-los” fará muitíssimo menos dano que algo impronunciável como “os cantores premiados e as cantoras premiadas, num total de dez, serão reunidos e reunidas no auditório, onde os admiradores e as admiradoras poderão fotografar a eles e a elas“, frase tão repetitiva e prolixa que lá pela metade já esquecemos do que ela está falando.

Coisa bem diferente é a forte resistência que ainda existe em usar a flexão feminina naqueles cargos e postos que, durante séculos, foram ocupados exclusivamente por homens. Quem acompanhou a ascensão política e profissional da mulher nos últimos trinta anos viu a lentidão com que a mídia foi adotando formas femininas que hoje se tornaram indispensáveis: primeira-ministra, senadora,governadora, deputada, prefeita, vereadora, juíza, promotora, entre tantas. O mecanismo da língua prevê esses femininos, mas seu emprego era praticamente nulo devido ao escasso número de mulheres que conseguiam vencer as limitações que lhes eram impostas. Aqui o problema é realmente de natureza ideológica e pode ser solucionado por uma mudança de atitude. O ingênuo e bondoso Exército da Salvação, por exemplo, há muito utiliza os femininos soldada, sargenta, capitã,coronela e generala, que as Forças Armadas ainda relutam em adotar por enquanto. O Francês, quanto a isso, é surpreendemente mais rígido, como denuncia Marianne Yaguello, e lá os movimentos feministas enfrentam um osso duro de roer: apesar de existir a flexão feminina, grande parte das profissões de prestígio ainda são utilizadas exclusivamente no masculino: “Mme. X est chirurgien” (”cirurgião”), “Il est amoureux de son chirurgien” (”ele está apaixonado por seu cirurgião” - mesmo que se trate de uma mulher!). Como se pode ver, é a língua que sofre a influência da evolução social (dentro, é claro, dos limites fixados por sua estrutura) e não o contrário, como querem. Ela não pode preceder e forçar a evolução das mentalidades.