terça-feira, 24 de agosto de 2010

Cooperação Brasil-Argentina

Brasil reforça cooperação nuclear com Argentina

Diplomacia busca posições conjuntas em fóruns sobre não proliferação


Itamaraty considera ter superado desconfianças de Buenos Aires face à aproximação brasileira em relação ao Irã


CLAUDIA ANTUNES

DO RIO

O governo brasileiro busca implementar novos projetos de cooperação tecnológica e industrial com a Argentina na área nuclear, a fim de superar desconfianças recentes e fortalecer a coordenação bilateral nos fóruns internacionais sobre não proliferação e desarme.

Para o Brasil, os acordos são vistos como garantia de transparência do seu programa atômico. Além disso, os dois países veem chances de negócios num possível boom da energia nuclear, com a queda do uso de combustíveis fósseis devido ao aquecimento global.

A colaboração foi tratada pelos presidentes Lula e Cristina Kirchner, no início do mês, e prevê, em médio e longo prazo, uma empresa binacional e o projeto de reatores multipropósito, para a produção de isótopos médicos e pesquisa científica.

Ela será avaliada entre amanhã e sexta, em Buenos Aires, em reuniões de três instâncias -a Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle), que realiza inspeções mútuas, a Coben (Comissão Binacional de Energia Nuclear), órgão técnico, e o CPPN (Comitê Permanente de Política Nuclear), de coordenação diplomática.

O encontro do CPPN será o primeiro desde 2005, embora os dois países tenham atuado juntos na recente revisão do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear).

Para sair do papel, o reator multipropósito e a empresa binacional, anunciada originalmente em 2008, enfrentarão obstáculos orçamentários, técnicos e políticos -o Brasil não pretende compartilhar tecnologia de enriquecimento de urânio.

Mas Vera Machado, subsecretária-geral do Itamaraty, e Odair Gonçalves, presidente da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), veem a perspectiva de aumentar em curto prazo o intercâmbio de técnicos e pesquisadores, entre outras medidas. Ambos estarão nas reuniões.

Na diplomacia, o Brasil busca manter posição afinada sobre o Protocolo Adicional do TNP -os dois países não aderiram ao instrumento. O argumento brasileiro é o de que a Abacc já representa garantias extras. Mas a não adesão não tem apoio unânime na Argentina.

"Não há chance de mudança de posição. Ficou claro que existe a Abacc, mecanismo único que precisa ser preservado, reforçado e mais conhecido. Esse é um ponto importante da agenda", disse Machado.

Outra questão foi a aproximação Brasil-Irã, que causou desconfiança na Argentina, onde iranianos são acusados do atentado contra uma associação judaica, em 1994. Ao "Clarín" o chanceler Celso Amorim disse que "não há nem foi proposta" colaboração nuclear com o país persa. "Eles estão convencidos", afirmou Machado.


Reunião é chance para países injetarem criatividade no TNP

MARCOS AZAMBUJA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Avançar o entendimento com nosso principal vizinho, no qual surgiu a Abacc, é elemento-chave no sistema que construímos bilateralmente e que se estendeu à AIEA. Foi isso que, finalmente, nos permitiu aderir ao TNP.
O sistema de contabilidade e controle que soubemos construir tem sido satisfatório não só para os dois sócios como tem criado confiança nas nossas relações com demais países como um todo. A Abacc tem sido vista como exemplar e como um possível modelo a ser aplicado a outras regiões do mundo onde uma rivalidade seja obstáculo a condições que permitam prosseguir e consolidar a interdição de aquisição e emprego de armas nucleares.
Brasil e Argentina devem enfrentar, agora, novo desafio: o de como se posicionar frente à demanda para que assinemos o Protocolo Adicional. A pressão é considerável: os países são os únicos membros do Grupo de Fornecedores Nucleares que ainda não o subscreveram.
A próxima reunião, em Buenos Aires, dará a chance para que os sócios vejam se é possível exercitar a diplomacia criativa que lhes permita dar à comunidade internacional garantias suplementares sem que isso se faça só pela adesão do Protocolo Adicional, modelo que carrega constrangimentos e a necessidade de aceitar controles ainda mais invasivos de atividades que se quer proteger.
O Brasil é sócio pleno e de boa fé do sistema de não proliferação e é também um dos poucos países engajados em um projeto, já muito avançado, de domínio do ciclo total do combustível nuclear.
O Brasil não perde de vista que o TNP é um conjunto de obrigações que vai além da não proliferação. É também um instrumento que consagra o direito ao desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos enquanto faz potências armadas avançarem para o desarmamento. O TNP está construído sobre esses três pilares, e a posição brasileira é que a preocupação com a proliferação não leve ao abandono dos dois outros objetivos.

O diplomata MARCOS AZAMBUJA foi embaixador em Paris e em Buenos Aires

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Textos publicados no jornal Folha de S. Paulo em 24 de agosto de 2010.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

El País

EDITORIAL

Irak ante sí mismo

Estados Unidos termina una guerra que no ha podido ganar y deja atrás un país arruinado

20/08/2010

Estados Unidos ha puesto fin a una guerra que no debió comenzar nunca. Y lo ha hecho en unas condiciones en las que no puede ni proclamar la victoria ni tampoco reconocer la derrota, porque las causas alegadas para invadir Irak fueron falsas, la estrategia sobre el terreno, equivocada, y los objetivos perseguidos, imprecisos y cambiantes. Puesto que las armas de destrucción masiva que sirvieron de excusa a esta guerra resultaron ser una deliberada manipulación, sus promotores pasaron a justificarla como un intento de llevar la democracia a Irak. Es decir, trataron de ocultar detrás de una causa noble unos medios que desde el comienzo fueron abyectos.

El balance de muertos y heridos que deja esta guerra será siempre un acta de acusación contra quienes la desencadenaron, despreciando la legalidad y las instituciones internacionales en nombre de valores que traicionaban en el mismo momento de invocarlos. Más de 100.000 civiles iraquíes han perdido la vida en el conflicto, además de 4.700 soldados de la coalición, la mayoría de ellos estadounidenses. Estados Unidos, por otra parte, ha gastado cerca de 800.000 millones de dólares en la aventura, e Irak es hoy un país arruinado y con pocas esperanzas de estabilidad.

Contemplada en perspectiva, la frivolidad de las decisiones que condujeron a esta guerra, escenificada en la cumbre de las Azores entre Bush, Blair, Aznar y Durão Barroso, es una prueba de la facilidad con la que gobernantes elegidos democráticamente pueden desencadenar una tragedia estéril, y colocar al mundo al borde de la catástrofe, cuando una mezcla letal de megalomanía mesiánica y ensueños ideológicos inspira sus acciones.

El presidente Obama ha desoído las voces que le reclamaban prolongar la presencia de las tropas de combate en Irak más allá del próximo día 31, límite comprometido para la retirada durante su campaña electoral y que cumple antes de plazo. Mantenerlas por más tiempo no hubiera garantizado que las fuerzas iraquíes estuvieran en condiciones de asumir entonces la seguridad del país; tan solo se habría aplazado el momento de que los iraquíes se enfrenten a un problema que nadie podrá resolver por ellos. EE UU no retira los 50.000 soldados encargados de adiestrar a las nuevas fuerzas armadas.

Las fuerzas políticas iraquíes siguen sin alcanzar un acuerdo para formar Gobierno tras las elecciones de marzo. Esta ha sido una de las razones alegadas por los partidarios de retrasar la retirada estadounidense. Pero también puede servir en sentido contrario: mientras las tropas estuvieran en Irak, los líderes electos no tomarían conciencia de las urgentes responsabilidades que les incumben. Su país fue víctima de un gravísimo atropello, que ni siquiera la presencia de un tirano como Sadam Husein podía justificar. Pero en sus manos está ahora evitar que ese atropello dé la victoria a quienes, después de combatir a los norteamericanos durante siete años, no dudarán en volver sus armas contra los iraquíes para sojuzgarlos de nuevo.

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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A língua é dinâmica

PASQUALE CIPRO NETO

Se o dicionário não dá...


A língua vem antes do dicionário, ou seja, antes vem o uso dos vocábulos e depois o registro do uso


VOLTA E meia recebo mensagens de pessoas indignadas com o uso nos meios de comunicação de determinadas palavras "que não existem". Essa afirmação provavelmente resulte do que essas pessoas (não) encontram nos dicionários e vocabulários que consultam.
De início, é bom dizer que a língua vem antes do dicionário, ou seja, antes vem o uso das palavras e depois o registro desse uso. É claro que esse registro se apoia em alguns critérios. Não basta que fulano de tal diga ou escreva uma vez determinada palavra para que ela seja registrado nos dicionários ou no "Vocabulário Ortográfico", que é publicado pela ABL e tem força de lei.
O registro se baseia em critérios pré-escolhidos, que levam em conta o corpus estabelecido, a quantidade de ocorrências etc. Antes que alguém pergunte, o corpus (no caso de um dicionário) é a coletânea ou conjunto de documentos, obras etc. de que serão extraídos os vocábulos que ganharão registro. Em geral, o corpus de um dicionário como o "Aurélio" ou o "Houaiss" é vasto: inclui obras literárias clássicas e modernas, textos jornalísticos, publicitários, acadêmicos, científicos, jurídicos etc., a linguagem oral, familiar etc., os jargões, as gírias etc.
Hoje em dia, com os fartos recursos propiciados pela informática, a definição do que se vai registrar nos dicionários tornou-se tarefa mais fácil para os dicionaristas. Cria-se um programa de computador capaz de contar as palavras e informar a quantidade de ocorrências delas no corpus determinado. Feita essa catação eletrônica, resta às equipes a tarefa de analisar as ocorrências e os usos desses vocábulos.
Mas é claro que os dicionários só podem registrar uma palavra depois que ela entra em circulação, é usada aqui e ali, na linguagem X ou na Y etc. Vejamos dois exemplos: "sediar" e "imexível". A primeira palavra circula há muito tempo (o "Houaiss" diz que desde 1970), mas só recentemente ganhou registro nos dicionários. Um deles foi justamente o "Houaiss", em sua primeira edição (2001). "Mas isso (2001) é "recente'?", perguntarão alguns? Na nossa realidade, sim. A reedição de um dicionário é tarefa hercúlea, de alto custo, o que exige largo intervalo entre uma edição e outra. Nesse ínterim, a língua respira, as palavras surgem, mas muita gente acha que, se o dicionário não dá...
Se não dá, mais cedo ou mais tarde dará, se o uso se consagrar, é claro. É aí que pode entrar em cena o adjetivo "imexível", "cunhado" pelo ex-ministro collorido Rogério Magri, que um belo dia disse que a única coisa "imexível" era justamente elle (rarará!). O mundo caiu nas costas do pobre Magri, por ter ele usado um termo "que não existia".
O termo usado por Magri é perfeitamente sintonizado com os processos de formação das nossas palavras. De fato, faltava-lhe registro, ou seja, uso, mas daí para que o mundo desabasse sobre Magri são outros quinhentos. Quem saiu em defesa de Magri? O professor Antônio Houaiss, que, embora inimigo "íntimo" do governo ao qual Magri servia, veio a público dizer que "imexível"... Preciso repetir?
Bem, talvez justamente pela intervenção do professor Houaiss no episódio Magri, o "Houaiss" registrou "imexível" em sua primeira edição (2001), embora o uso do termo fosse quase sempre jocoso e se restringisse à informalidade. A última edição do "Houaiss" (2009) mudou de ideia, ou seja, cancelou o registro de "imexível", que, no entanto, permanece no "Vocabulário Ortográfico", verdadeiro coração de mãe. Mas isso é outra história. É isso.


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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 12 de agosto de 2010.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Venezuela - Colômbia

ANÁLISE

Todos ganham com o teatro de Chávez -menos as Farc

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Colou o mais recente teatrinho encenado por Hugo Chávez. O rompimento de relações com a Colômbia e o decorrente empenho de todas as partes em restabelecê-las tirou totalmente o foco da denúncia do anterior governo colombiano sobre a presença de um nutrido grupo de narcoterroristas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em território venezuelano.
Se Chávez estiver sendo sincero ao dizer, agora, que não aprovou, não aprova nem aprovará a presença do que chama de "forças guerrilheiras" em território da Venezuela, a maneira de demonstrá-lo era simples: bastava pedir a governos amigos (Brasil, Argentina, Equador, Bolívia) que enviassem representantes às zonas em que a Colômbia dizia haver acampamentos.
Se eles não existissem, Uribe teria sido desmoralizado e nunca mais o dossiê Farc poderia ser esgrimido pela Colômbia nas relações com a Venezuela.
Chávez preferiu acusar o acusador, velhíssima tática que muitas vezes dá certo.
Deu desta vez porque o novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, não tem o menor interesse em manter congeladas as relações com o vizinho.
Uribe, prestes a deixar o governo, podia, perfeitamente, aguentar alguns meses de queda nas trocas comerciais (caíram de US$ 6,514 bilhões em 2008 para apenas US$ 2,6 bilhões em 2009; a previsão para este ano era de apenas US$ 1 bilhão).
Juan Manuel Santos não pode passar todo o seu mandato nessa situação.

BASES ESQUECIDAS
Que o rompimento era puro teatro, prova-o o fato de que Chávez, para "virar a página" das relações com a Colômbia, nem sequer mencionou o motivo das restrições que impusera ao comércio com a Colômbia, ainda antes do rompimento: as bases colombianas cedidas para uso de militares americanos.
Bases, de resto, negociadas durante a gestão de Santos como ministro da Defesa de Uribe.
Com o teatro, Chávez livra-se do incômodo que seria qualquer investigação séria sobre as denúncias do governo Uribe. Se antes o presidente venezuelano dizia respeitar o "projeto político" das Farc, agora pede que os guerrilheiros libertem os sequestrados e deponham as armas -exatamente o que exige Santos como condição indispensável para iniciar o diálogo proposto pelo próprio grupo narcoterrorista.
O presidente colombiano também ganha: livra-se de um tambor para as Farc bem ao lado e retoma um comércio importante para dar impulso à economia, o que será vital para seu prestígio, até aqui basicamente emprestado de Uribe.
Um bom negócio para todos, portanto. Perdem apenas as Farc, privadas agora do único governante latino-americano que ainda dizia ter "respeito" pelo projeto do grupo.

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 10 de agosto de 2010.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Língua portuguesa

Excelente para os candidatos aspirantes à carreira diplomática, que devem ter domínio da língua portuguesa!

Extraído do site do professor Cláudio Moreno: http://wp.clicrbs.com.br/sualingua/

Sexismo na linguagem

Uma leitora ficou inconformada com a manchete que encontrou em um grande jornal paulista: “Fulana de Tal foi o quinto juiz suspenso este mês pela Comissão de Arbitragem”. Segundo ela, o jornal demonstrou uma indisfarçável atitude machista ao empregar juiz em vez do consagrado feminino juíza. “O senhor não concorda que a gramática do Português tem um viés claramente sexista? Na escola eu nunca me conformei com a regra que nos obriga a dizer que “o menino, sua mãe, sua tia e suas três irmãs foram convidadospara o jantar” — em que um simples vocábulo masculino tem muito mais força gramatical que todos os vocábulos femininos reunidos! Qual o problema de usar convidadas? Por acaso o menino, com isso, sofreria algum tipo de humilhação? E alguém se preocupa com a humilhação das mulheres, neste caso? Em pleno séc. XXI, não deveríamos eliminar de nosso idioma esses resquícios patriarcais, contribuindo assim para derrotar a ideologia de desvalorização da mulher?”.

Minha cara leitora, não me leves a mal, mas vou discordar integralmente do que dizes com todo o respeito. Primeiro, nossa gramática não tem o “viés” (palavrinha da moda…) sexista que lhe atribuis; segundo, é impossível mudar essas regras; terceiro, mudanças introduzidas na linguagem não têm o poder de alterar a realidade objetiva; quarto e último, o jornal estava corretíssimo ao usar juiz, e nãojuíza. Vamos por partes. Em primeiro lugar, essa “supremacia” do masculino que nos leva a usarconvidados, e não convidadas, na tua frase (e que faz o dicionário registrar os substantivos no masculino singular aluno, lobo, prefeito) essa supremacia, repito, é ilusão. Mattoso Câmara Jr. fez, nos anos 60, a descrição definitiva do sistema de gênero e número de nossos substantivos e adjetivos: o plural é marcado por S, enquanto o singular se assinala pela ausência desse S; a marca do feminino é o A, enquanto o masculino se assinala pela ausência desse A. Sabemos que aluna,mestra e professora são femininos porque ali está a marca; inversamente, sabemos que aluno,mestre e professor são masculinos porque ali não está a marca. Por isso, quando quisermos sergenéricos, podemos usar o singular, masculino (ou seja, o número e o gênero não-marcados): “Obrasileiro trabalha mais do que o inglês” (entenda-se: “todos”) e por esse mesmo motivo o dicionário assim registra os substantivos. Paradoxalmente, o gênero que exclui é o feminino: se dissermos que o aumento vai ser estendido aos aposentados, homens e mulheres estão incluídos; se for, porém, estendido às aposentadas, os homens estão fora. Se o jornal escrevesse que “Fulana de Tal foi a quinta juíza afastada do cargo”, estaria afirmando que, além dela, quatro outras juízastinham sido afastadas. Como esse não foi o caso - os quatro suspensos antes dela eram homens -, o jornal teve de usar juiz, que engloba o masculino e o feminino.

As mulheres não devem sentir-se humilhadas por isso; é assim que funciona o nosso idioma. Por que afirmo que essas regras não podem ser mudadas por uma decisão política ou ideológica? Porque, diferentemente das leis que regem um país, das regras do futebol, da convenção de nosso condomínio ou do nosso sistema de acentuação e de ortografia que são regras de superestrutura, criadas por nós e, ipso facto, modificáveis por nós , as regras morfológicas e sintáticas do Português estão no nível estrutural, muito mais profundo, evoluindo ao longo dos séculos num ritmo e numa direção sobre os quais não temos o menor controle.

Por fim, estimada leitora, aconselho-te a abandonar essa esperança de que seja possível mudar a realidade apenas pela introdução de alterações na linguagem. Esta crença ingênua (e onipotente) esteve muito em voga nos anos 70, dando origem, inclusive, ao equivocado movimento dopoliticamente correto. Muitas feministas pós-Woodstock acreditavam que podiam resgatar (que verbozinho enjoativo!) a dignidade da mulher forçando na linguagem a visibilidade do gênero feminino. Se o vocábulo tinha dois gêneros, os dois deveriam aparecer na frase. Até bem pouco tempo, uma ONG brasileira fazia questão de escrever “os eleitores e as eleitoras votaram”, “os participantes e as participantes receberão”… Felizmente esta tendência está agonizante, e qualquer pessoa culta, quando escreve “Para o bem de seus filhos, os brasileiros deveriam escolher melhor os candidatos em que votam”, sabe que está dizendo “Para o bem de seus filhos (não importa o gênero), os brasileiros (não importa o gênero) deveriam escolher melhor os candidatos (não importa o gênero) em que votam”. Agora, imagina só se eu vou ter a coragem de escrever “Para o bem de seus filhos e de suas filhas, os brasileiros e as brasileiras deveriam escolher melhor os candidatos e as candidatas em que votam”. Que espanto sentiriam os meus leitores e as minhas leitoras!

[2ª parte]

Na coluna anterior, procurei demonstrar que não há nenhuma discriminação sexista nas regras de concordância nominal de nosso idioma, ao contrário do que apregoam certos grupos que lutam pelo reconhecimento dos direitos da mulher. Repito: uma expressão como meus amigos sempre terá dois valores um, mais restrito, que se refere apenas aos amigos homens; outro, mais genérico, que funciona como uma espécie de neutro, designando tanto os amigos masculinos quanto os femininos. Por que isso? Porque o masculino é o gênero não-marcado, inclusivo, enquanto o feminino é um gênero naturalmente excludente; ao falar de minhas amigas, falo das mulheres, e apenas delas. Não é, pois, uma mera atitude que possamos mudar de acordo com nossa vontade; trata-se, isso sim, da maneira como a língua se estruturou ao longo de sua formação, e não vai ser alterada pela decisão de um grupo, por mais numeroso que seja.

Ora, como isso contraria frontalmente algumas palavras de ordem que ainda são levadas a sério em nosso meio, diversos leitores escreveram para discordar do que afirmei. Dois deles tentaram ao menos entabular uma discussão teórica sobre o assunto, honestamente interessados em me convencer do seu ponto de vista; eu os respeito por isso, embora seus argumentos fossem mais emocionais e políticos do que lingüísticos. Os outros descambaram para o ataque pessoal, dizendo de mim o que Maomé não disse do toucinho machista, retrógrado e machista retrógrado foi o mínimo com que mimosearam este seu criado. A estes já vou avisando que aqui essa tática não pega; não tenho medo de rótulos, e não vou deixar que o conhecimento científico recue diante de patrulhadores que elevam o tom de voz para esconder a falta de estudo.

O principal defeito de seu raciocínio é confundir (1) a relação masculino-feminino do sistema morfológico do Português, que é imutável, com (2) a recusa que certos setores da sociedade ainda têm de usar os femininos de cargos e funções esta sim, uma atitude censurável e que pode (e deve) ser reformada em pouco tempo. No primeiro caso, o uso do masculino como forma abrangenteé indispensável para o funcionamento de uma língua como a nossa, em que o artigo, o numeral, opronome, o adjetivo e o particípio concordam em gênero com o substantivo que acompanham. Se a cada masculino acrescentássemos a forma feminina correspondente, deixaríamos de falar o Português e passaríamos a nos comunicar numa algaravia repleta de ecos intermináveis. Asseguro aos defensores da “inclusão lingüística” que uma frase do tipo “os dez cantores premiados serão reunidos no auditório, onde os admiradores poderão fotografá-los” fará muitíssimo menos dano que algo impronunciável como “os cantores premiados e as cantoras premiadas, num total de dez, serão reunidos e reunidas no auditório, onde os admiradores e as admiradoras poderão fotografar a eles e a elas“, frase tão repetitiva e prolixa que lá pela metade já esquecemos do que ela está falando.

Coisa bem diferente é a forte resistência que ainda existe em usar a flexão feminina naqueles cargos e postos que, durante séculos, foram ocupados exclusivamente por homens. Quem acompanhou a ascensão política e profissional da mulher nos últimos trinta anos viu a lentidão com que a mídia foi adotando formas femininas que hoje se tornaram indispensáveis: primeira-ministra, senadora,governadora, deputada, prefeita, vereadora, juíza, promotora, entre tantas. O mecanismo da língua prevê esses femininos, mas seu emprego era praticamente nulo devido ao escasso número de mulheres que conseguiam vencer as limitações que lhes eram impostas. Aqui o problema é realmente de natureza ideológica e pode ser solucionado por uma mudança de atitude. O ingênuo e bondoso Exército da Salvação, por exemplo, há muito utiliza os femininos soldada, sargenta, capitã,coronela e generala, que as Forças Armadas ainda relutam em adotar por enquanto. O Francês, quanto a isso, é surpreendemente mais rígido, como denuncia Marianne Yaguello, e lá os movimentos feministas enfrentam um osso duro de roer: apesar de existir a flexão feminina, grande parte das profissões de prestígio ainda são utilizadas exclusivamente no masculino: “Mme. X est chirurgien” (”cirurgião”), “Il est amoureux de son chirurgien” (”ele está apaixonado por seu cirurgião” - mesmo que se trate de uma mulher!). Como se pode ver, é a língua que sofre a influência da evolução social (dentro, é claro, dos limites fixados por sua estrutura) e não o contrário, como querem. Ela não pode preceder e forçar a evolução das mentalidades.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Mercosul


COMÉRCIO EXTERIOR

Mercosul elimina dupla tributação de importados de fora do bloco

ENVIADO ESPECIAL A SAN JUAN (ARGENTINA)

Depois de seis anos de negociações, os países-membros do Mercosul aprovaram ontem um cronograma para eliminar a dupla cobrança da TEC (Tarifa Externa Comum).
O acordo é o principal avanço anunciado no primeiro dia da cúpula do bloco, na cidade argentina de San Juan. O encontro termina hoje com o encontro de presidentes.
O acordo evitará que os produtos importados de fora do Mercosul paguem duas vezes o mesmo tributo ao circularem no bloco. A medida será implementada em três fases (a partir de 2012).
Hoje, os itens que chegam pelo litoral do Brasil e acabam consumidos no Paraguai, por exemplo, têm de pagar a TEC no porto e também na aduana paraguaia.
Também foi anunciado um acordo de livre comércio com o Egito, que deve zerar em dez anos as tarifas de 97% dos produtos comercializados entre o país e o Mercosul. No ano passado, o Brasil exportou ao Egito quase US$ 1,5 bilhão.(GUSTAVO HENNEMANN)

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 03 de agosto de 2010.