quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Azeredo da Silveira

Livro traz luz sobre chanceler de Geisel

Pai do "pragmatismo responsável", Azeredo da Silveira inspira atual debate sobre a política externa brasileira

Ex-ministro Lampreia, que foi colaborador de Silveira, afirma que chanceler não tinha "conteúdo ideológico"

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Diplomata com muitos seguidores e desafetos, à esquerda e à direita, Antônio Azeredo da Silveira (1917-1990) traz ecos do passado recente ao debate sobre a política externa brasileira em depoimento colhido há 30 anos e que a FGV lança em livro nesta semana. Chanceler de 1974 a 1979, na ditadura militar, Silveira consolidou com o presidente Ernesto Geisel uma virada diplomática -o Brasil deixou o "alinhamento automático" com os EUA existente após o golpe de 1964, rompeu com o colonialismo português na África e aproximou-se de países árabes (motivado pela crise do petróleo). A política foi batizada por Geisel de "pragmatismo responsável", a segunda palavra indicando que não romperia limites inaceitáveis para os militares, como reatar relações com Cuba. Mas Silveira preferia qualificá-la de ecumênica, enfatizando a diversificação de parcerias: "A triangulação [com América do Sul, África e Japão] era a única maneira de a voz brasileira ser ouvida pelas superpotências". Ele gravou a entrevista entre 1979 e 1982, quando embaixador nos EUA, para ser divulgada depois de sua morte. "Azeredo da Silveira, um Depoimento" é a primeira transcrição. Nela, qualifica de "subdesenvolvidos mentais" seus críticos na linha-dura militar e na imprensa: "Querem ensinar os americanos a ser ocidentais. Se há um país que não tem mais tamanho para parceria seletiva é o Brasil".

LINHA HISTÓRICA
O organizador do livro é Matias Spektor, da FGV-Rio, que no livro "Kissinger e o Brasil" descreveu a tentativa de Silveira de estabelecer "relação especial" com os EUA, frustrada no governo de Jimmy Carter (1977-1981). Para Spektor, há hoje uma "importância renovada" dos temas da época, incluindo a "busca explícita por ascensão no sistema internacional" e a "dificuldade de manter uma política engajada" com Washington. Em artigo inédito, as especialistas Maria Regina Soares de Lima e Monica Hirst, que tomaram o depoimento de Silveira, apontam na política externa de Lula "um salto qualitativo dentro de uma mesma matriz de ideias e visões de mundo". O chanceler Celso Amorim diz que a analogia é "simplificadora", dados os contextos internos e internacionais diferentes. Mas cita "pontos de contato", em linha histórica que começa na "política externa independente" de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). "A política do presidente Lula retoma alguns temas, de afirmação da posição internacional do Brasil, de visão ampla dos interesses nacionais, não limitados a esta ou aquela potência. Há pontos de contato, sobretudo no ânimo da política, mas os problemas mudaram." Colaborador de Silveira por anos, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia (1995-2001) vê no livro um "testamento político", numa fase em que o ex-chefe do Itamaraty frustrara-se por não ter sido mantido no cargo por João Baptista Figueiredo, último presidente militar. Lampreia diz que Silveira teve "papel central para mudar o paradigma da diplomacia" no período republicano, baseado na aliança com os EUA. Mas nega que ele seja "predecessor" de uma política de esquerda. "Ele não era antiamericano. Não tinha um conteúdo ideológico." No depoimento, Silveira se distancia da diplomacia de Jânio e Jango porque os "militares tinham horror" a ela. Para Lima e Hirst, esse distanciamento foi "instrumental" porque a política externa foi vendida às Forças Armadas como parte do projeto de "Brasil potência".

ATAQUES
Protegido pelo sigilo temporário, Silveira distribui ataques na entrevista. Não poupa nem "amigos", como Paulo Nogueira Batista, negociador do acordo nuclear com a Alemanha, que chama de "ambíguo". O tom de autoelogio reforça críticas como a do embaixador Ovídio Melo, que era o chefe da missão em Angola quando o Brasil reconheceu o governo independente pró-soviético. A medida causou reação da extrema direita militar, e Melo passou os 19 anos seguintes sem promoção no Itamaraty. "Foi Geisel, e não Silveira, que teve posição mais destemida no reconhecimento de Angola", diz ele. Silveira revela antipatia visceral pela Argentina, que punha obstáculos à usina de Itaipu. Chega a afirmar ter sido envenenado em reunião na embaixada argentina em Washington. Apesar de apontar a América do Sul como "plataforma de voo" do Brasil, a integração regional foi dificultada em sua gestão por essa rivalidade e as desconfianças entre os militares no poder na maioria dos países, descontada a matriz comum anticomunista. Silveira também afirma que o voto pela resolução da ONU que equiparou o sionismo ao racismo foi uma decisão de Geisel -diz que defendia a abstenção. A fórmula Silveira-Geisel teve a marca dos anos 70. Os EUA estavam às voltas com a derrota no Vietnã e a crise do petróleo e temiam a concorrência econômica do Japão e da Alemanha. A détente com os soviéticos congelava a divisão do mundo. O quadro mudou nos anos 80, sob Ronald Reagan, que relançou a corrida armamentista com a URSS, enquanto a crise da dívida reduzia o espaço de manobra dos países em desenvolvimento. O tema da independência na diplomacia ressurge quando o poder americano volta a ser relativizado.

FOLHA.com
Leia depoimentos sobre Azeredo da Silveira

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 14 de novembro de 2010.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Conselho de Segurança

SAIBA MAIS

Reforma conta com ao menos três propostas

DO RIO

Em debate desde os anos 1990, a proposta de ampliação do Conselho de Segurança da ONU foi relançada em 2005 pelo então secretário-geral Kofi Annan, mas enfrenta resistência dos atuais membros permanentes a ceder poder e disputa entre os possíveis candidatos às novas vagas.
Para ser aprovada, a reforma precisa do apoio de dois terços da Assembleia Geral de 192 países e da ratificação do CS, hoje composto pelo P5 (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido) e mais dez membros não permanentes, eleitos para dois anos.
Há três propostas principais de reforma.
O G4 (Brasil, Alemanha, Índia e Japão) reivindica o aumento do número de membros permanentes para 10 ou 11, com a inclusão dos quatro do grupo e um ou dois africanos. Admite período de transição até que os novos integrantes tenham poder de veto.
A União Africana propõe a ampliação do CS para 26 cadeiras. Não fixa o número de novos permanentes, desde que dois deles sejam africanos, e exige que o direito de veto seja estendido imediatamente à nova cúpula.
O grupo Unidos pelo Consenso, com cerca de 40 países, propôs em 2005 que o número de vagas não permanentes seja ampliado de 10 para 20 assentos, que seriam ocupados em bases regionais para mandatos de dois anos.
Liderado por Itália, Paquistão, Coreia do Sul e Colômbia, o grupo teve o apoio discreto da China.

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 09 de novembro de 2010.

Conselho de Segurança

EUA pedem Índia no Conselho de Segurança

Gesto de Obama desagrada Paquistão e amplia contencioso com China, que não quer rivais regionais no órgão

Para Washington, apoio reforça aproximação com Nova Déli; projetos divergentes travam ampliação do CS

Jim Young/Poo/France Presse

O presidente Barack Obama ao lado do premiê indiano, Manmohan Singh, após discursar no Parlamento em Nova Déli

DAS AGÊNCIAS NOTÍCIAS

O presidente americano, Barack Obama, anunciou ontem em Nova Déli o apoio dos EUA à candidatura da Índia a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, quando o órgão formalmente responsável pela paz e a segurança internacionais for reformado.
O apoio visa reforçar a aproximação bilateral que ocorre desde o início da década e aumenta a lista de contenciosos entre EUA e China, que resiste à possibilidade de ascensão ao CS de dois rivais regionais -Índia e Japão.
Também repercutiu mal na relação entre EUA e Paquistão -aliado desde a Guerra Fria, mas que já foi desprestigiado quando Washington assinou, em 2005, acordo de cooperação nuclear civil que na prática reconheceu a Índia como potência atômica não signatária do Tratado de Não Proliferação, deferência que Islamabad não teve.
"A ordem internacional justa e sustentável que a América busca inclui uma ONU que seja eficiente, efetiva, crível e legítima", disse Obama, ontem, após proclamar que a Índia "já emergiu".
"Por isso posso dizer hoje que, nos próximos anos, torcerei por um Conselho de Segurança que inclua a Índia como membro permanente."
Nem Obama nem os assessores que o acompanham falaram em prazo para a reforma do CS. "Será um processo muito difícil que pode levar muito tempo", disse ao "New York Times" o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, William Burns.
No governo George W. Bush (2001-2009), os EUA já haviam apoiado formalmente o Japão, mas não Brasil nem Alemanha.
Esses três países mais a Índia formam o G4, que propõe que o número de membros permanentes do CS seja ampliado de cinco (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido) para 10 ou 11, com a inclusão dos quatro mais um ou dois africanos.
Há vários modelos de reforma em competição, mas o apoio dos EUA à Índia foi interpretado como indicação de preferência americana pela proposta do G4.
Em resposta a Obama, o premiê indiano, Manmohan Singh, disse que os dois países decidiram "acelerar o aprofundamento dos laços para trabalhar como iguais numa relação estratégica".
Para Stewart Patrick, do Council on Foreign Relations, os EUA têm interesse em ampliar o CS para dividir "privilégios e ônus" da liderança global. "A melhor época para um Estado dominante ceder algum poder aos que ascendem é quando ainda podem ditar os termos da mudança", disse Patrick, para quem Washington deveria apoiar a fórmula do G4.
A Índia ocupará uma das dez vagas não permanentes em 2011, com a Alemanha e o Brasil, eleito em 2009 para mandato de dois anos.
O Paquistão criticou a declaração de Obama, relacionando-a indiretamente à disputa entre EUA e China.
"O Paquistão espera que os EUA adotem uma posição moral, e não se baseie numa necessidade temporária ou em exigências da política do poder", disse um porta-voz da Chanceleria.
Para contrabalançar o acordo nuclear EUA-Índia, Pequim firmou pacto para a construção de usinas nucleares de energia no Paquistão. Os EUA também assinaram, em julho, acordo de cooperação atômica com o Vietnã, outro rival dos chineses.

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 09 de novembro de 2010.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Política Externa

ANÁLISE

Resultado pode frustrar planos do governo na política externa

STEPHEN R. HURST
DA ASSOCIATED PRESS,
EM WASHINGTON

A vitória republicana nas eleições pode frustrar as esperanças do presidente Obama sobre redefinir o relacionamento com a Rússia, e abrir caminho a uma abordagem mais dura com a China.
A reacomodação na estrutura de poder do Congresso pode resultar em mais apoio às políticas de Obama quanto ao Afeganistão, mas forçar o presidente a relaxar sua atual pressão sobre Israel.
A secretária de Estado, Hillary Clinton, afirmou que os resultados não mudarão o rumo americano nas relações exteriores porque "a política para na fronteira".
A despeito de suas palavras, uma mudança dramática no cenário político certamente terá efeito considerável, tanto em termos concretos quanto de mensagem.
Uma voz mais forte dos republicanos no Congresso pode levar o presidente a repensar alguns de seus planos.
Embora o confronto entre EUA e Irã venha sendo o destaque, as disputas que fervem lentamente no relacionamento com a China são provavelmente a área mais aberta a ações americanas rápidas, quando os republicanos passarem a deter maioria da Câmara e presença maior no Senado.
Os republicanos tradicionalmente adotam linha dura em questões comerciais.
A China enfrenta críticas pela política cambial de moeda desvalorizada que adota, parcialmente responsável pelo deficit comercial desproporcional de Washington em relação a Pequim.
Agora se tornou mais provável que Washington venha a impor alguma forma de sanção contra Pequim, devido à manipulação da moeda.
A política externa de Obama pode sofrer forte abalo no que tange ao relacionamento com a Rússia. Muitos conservadores mantiveram a desconfiança quanto a Moscou que sentiam na Guerra Fria, o que pode dificultar a ratificação pelo Senado do novo tratado de redução de armas.
Ainda que Washington esteja envolvida em guerras no Iraque e Afeganistão, as duas dispendiosas e sangrentas empreitadas atraíram pouco interesse neste ano eleitoral.
Embora os democratas estejam perdendo a paciência com o conflito no Afeganistão, que está chegando ao seu décimo aniversário, Obama provavelmente conseguirá apoio às suas políticas para a guerra junto aos republicanos, que devem pressioná-lo para limitar ou postergar os planos de iniciar a retirada em 1º de julho. Os republicanos em geral assumem postura mais agressiva quanto a assuntos de guerra e paz.
No Oriente Médio, os fortes ganhos republicanos provavelmente custarão a Obama alguma margem de manobra na sua promoção de negociações de paz entre Israel e os palestinos. O presidente vem exercendo pressão sobre os israelenses para que suspendam seus projetos de construção de assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Nobel da Paz

Conheça todos os vencedores do prestigiado prêmio Nobel, que é concedido pelo trabalho de indivíduos e instituições em questões de direitos humanos, conflitos e controle de armas.


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

1ª Guerra termina em outubro com pagamento alemão


RENATO MARTINS - Agência Estado

A revista semanal alemã Der Spiegel informa que a Alemanha fará em 3 de outubro seu último pagamento das reparações de guerra relativas à Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Com o pagamento de 56 milhões de euros, o conflito, que deixou 16 milhões de mortos, estará oficialmente encerrado, 92 anos depois. O país comemora no mesmo dia a reunificação alemã.

Segundo a revista, pelo Tratado de Versalhes, imposto pelas potências que venceram o conflito, a Alemanha, declarada a única culpada, deveria pagar como reparações 269 bilhões de marcos de ouro, equivalentes a 96 mil toneladas de ouro. Em 1929, um acordo reduziu essa dívida a 112 bilhões de marcos de ouro. O país emitiu bônus para quitar a dívida em 1924 e em 1930.

A Alemanha suspendeu os pagamentos em 1931, por causa da crise financeira global, e recusou-se a retomá-los em 1933, quando Adolf Hitler chegou ao poder. Em 1953, a Alemanha Ocidental concordou em assumir a dívida e pagou o montante principal nos anos seguintes, mas o acordo permitia que o país adiasse o pagamento dos juros acumulados entre 1945 e 1952 até que estivesse reunificada, o que aconteceria somente em 1990.

Celso Amorim ultrapassa barão de Rio Branco em dias no cargo

Ambos expandiram a representação diplomática no exterior

ANDRÉ LOBATO
DE SÃO PAULO

Celso Amorim é o ministro das Relações Exteriores que mais dias ocupou o cargo na história do Brasil, ultrapassando nesta semana o barão de Rio Branco, o patrono da diplomacia brasileira.
Em Nova York para a Assembleia Geral das Nações Unidas, Amorim passou ontem em um dia o barão, que ficou 3.356 dias no cargo.
A superação se constata com a soma dos dias do governo Lula com os períodos como chanceler interino e nomeado por Itamar Franco, de 20 de julho de 1993 até o fim do mandato em 1994.
José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, foi chanceler de quatro presidentes entre 1902 e 1912.
Na história brasileira, o barão ficou conhecido por ter negociado as fronteiras brasileiras como são hoje.
"É o único caso de um território continental em que as fronteiras foram negociadas sem que houvesse guerra", afirma o historiador João Daniel Lima de Almeida.
A superação do grande ícone da diplomacia brasileira é um tabu que silencia diplomatas. Honrarias, salas e o instituto que forma os diplomatas brasileiros levam o nome do barão.
O próprio Amorim se nega a falar sobre assunto. Sua assessoria respondeu: "Ele disse que admira o barão e portanto não quer "brigar" com o fantasma dele".
Se o atual chanceler é visto por muitos hoje como resistente à política externa americana, o barão é amplamente reconhecido na historiografia diplomática brasileira pelo seu posicionamento pró-Estados Unidos.
A relação com o país que então emergia como uma potência mundial trouxe dividendos para o Brasil, que obteve apoio americano em negociações multilaterais do início do século passado.
Amorim, que foi considerado o melhor chanceler do mundo por David Rothkopf, da publicação "Foreign Policy", é admirado e criticado por ser resistente ao alinhamento aos EUA. Em comum, ambos expandiram significativamente a representação diplomática brasileira no exterior.

FOLHA.com
João Daniel Lima de Almeida compara os legados diplomáticos